Folha de S. Paulo


O fim dos dinossauros

Jornalismo e gerenciamento moderno caminham cada vez mais próximos no mundo desenvolvido. A tendência foi apontada por William Thorsell, editor-chefe do prestigioso jornal canadense "The Globe and Mail" em seminário com 21 ombudsmen (13 dos EUA, seis do Canadá, um do Japão e este ombudsman da Folha) durante encontro anual em Toronto. Para Thorsell, se a moda pega, os ombudsmen podem ser incluídos entre as espécies raras em vias de extinção.

Algumas das mais bem-sucedidas técnicas de gerenciamento atual são conhecidas como algo próximo do termo "Administração de Qualidade Total", em que cada profissional supostamente assume completa responsabilidade e compromisso com a excelência, entendida como a satisfação absoluta do consumidor.

Num ambiente como esse, ombudsmen não teriam muito futuro, diz o jornalista canadense, por simbolizarem de certa forma uma época em que qualidade seria a preocupação de uns poucos especialistas. A "Administração de Qualidade Total" não enfatiza a fiscalização a posteriori dos erros de produção, mas prescreve a massificação obsessiva da perfeição a um ponto em que a variação na qualidade dos produtos tende a zero.

A meta é o "consumidor". Pode parecer apenas mais um slogan mas vale atentar para o fato de que se a moda pega (e já pegou em muitos lugares), as pessoas que ocupam postos de chefia intermediária, os que "não fazem nada diretamente para o cliente", ou os que entram em cena apenas depois que o produto já foi com falhas para o consumidor, estão em perigo.

É claro que o raciocínio acima tem muito de idealização, um pouco ridícula até, feita pelo chefe de um jornal cujos leitores não têm a quem recorrer quando constatam erros. Mas o editor canadense expressa um novo deslocamento que vem sendo feito pelos jornais da América do Norte para enfrentar os sintomas de sua crise, já expressa pela queda dos índices de leitura, a que veio se juntar a fuga em massa de anunciantes atraídos por outros meios de comunicação.

A seguir, algumas tentativas para enfrentar o enigma da sobrevivência nesse mundo que insiste em rejeitar os jornais.

Redações comprimidas - "Toronto Sun", tablóide sensacionalista com 300 mil exemplares de circulação paga, contraria regra segundo a qual deve haver uma vaga na Redação para cada mil exemplares vendidos, em média. Em lugar dos 300 jornalistas da regra, o "Sun" trabalha com 150.

Leitores mutantes - As famílias mudaram muito nos últimos anos. A grande maioria das mulheres trabalha. Há um para-analfabetismo, o de pessoas que são alfabetizadas mas não lêem, em especial os jornais que não se adaptaram às carências informativas desses leitores potenciais e insistem em fazer jornais para os próprios jornalistas, redundantes no modelo tradicional da era pré-TV.

A crise do varejo - Em crise, grandes cadeias de lojas de departamento, que são os principais anunciantes de jornais, estão cortando verbas publicitárias e redirecionando prioridades.

A febre dos classificados - É cada vez mais intensa a guerra entre jornais e companhias telefônicas. Os primeiros não querem que as Telesp dos EUA e Canadá entrem no mercado de difusão de informações por fibra ótica, alegando que as telefônicas teriam vantagem na concorrência por serem operadoras dos canais de condução da mensagem. Por trás da polêmica, que foi parar no Congresso, está a disputa peio mercado de classificados, que pode simplesmente desaparecer dos jornais e ir para a telemática (telecomunicações -
informática) em questão de meses.

Com tantas ameaças, qual tem sido a reação das redações de jornais? O diagnóstico é de que elas têm se deixado levar pela inércia, de alto a baixo. E também o de que os projetos de mudança são em geral ridicularizados pelos erros evidentes que sempre trazem, sem que se considere sua real contribuição.

Os dinossauros precisam morrer para que os jornais sobrevivam, acrescenta o editor do "Globe and Mail", advogando em defesa de um novo tipo de jornal. Dentre as várias saldas propostas para que a imprensa diária sobreviva ao assédio de tantos veículos mais rápidos, envolventes e segmentados, uma em especial me atraiu. De acordo com John Miller, diretor da mais conceituada escola da jornalismo do Canadá, a do Ryerson Polytechnical Institute, os jornais devem simplesmente abandonar o negócio de simples difusão de informações para entrar definitivamente na área de difusão dos significados em torno de cada informação relevante.

RETRANCA

"O Estado de S. Paulo" publicou nota deselegante na terça-feira com críticas às constatações que fiz acerca da queda de suas vendas em bancas aos domingos, reduzidas a seu nível mais baixo em oito anos. Sem contestar os números revelados aqui, o jornal disse que eu não tenho coragem de criticar a Folha. Mas não foi o próprio "Estado" que empreendeu enorme campanha publicitária reproduzindo em página inteira trechos de minha coluna com duras críticas à Folha?


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