Folha de S. Paulo


A malhação

Numa época em que o jornalismo investigativo desafia a habilidade e estômago de repórteres para a garimpagem de informações em ambientes que mais se assemelham a pântanos e lamaçais, mais do que nunca a impressa precisa vacinar-se contra atitudes preconcebidas que a levem a relaxar em procedimentos técnicos básicos e fundamentais para sua credibilidade. .

Vive-se no tempo em que se forma uma unanimidade em torno da simplória concepção de que o governo não é nada mais que a forma de organização assumida por uma quadrilha determinada a aproveitar cada oportunidade para a promoção saque e da exploração da sociedade e de seus recursos.

Nesse espaço, ocorre uma inversão na ordem das coisas; antes mesmo da apresentação de evidências, quase todos têm a certeza da identidade dos ladrões, a quem se lança veredicto inquestionável, o da condenação.

Que o cidadão comum tire suas conclusões é natural. O perigo é quando ela se avoluma a ponto de se tornar "verdade" consagrada. Aí, se não se redobram os cuidados técnicos no modo de produção do jornal, o risco de erro torna-se enorme.

A medida da competência jornalística deixa de ser a checagem de informações, a audição dos diversos lados de uma notícia e o ceticismo em relação à unanimidade nacional, para em seu lugar surgir uma corrida para oferecer sem mais delongas o que todos querem, os nomes dos "corruptos" a serem oferecidos à apoteótica execração nacional.

Em reportagem que mereceu manchete no dia 27 de maio, e cujas repercussões se estenderam até a semana passada, a Folha acusou a CEF (Caixa Econômica Federal) de beneficiar a construtora Serveng-Civilsan, citada por Pedro Collor nas denúncias contra o empresário Paulo César Farias, o PC.

Segundo a reportagem da Folha, uma obra da empreiteira fora agraciada com um crédito-relâmpago da CEF destinado a obras de saneamento no lago Paranoá e liberado apenas quinze dias após sua requisição pelo governo do Distrito Federal. Empréstimos do tipo levam normalmente até seis meses para serem liberados.

Um detalhe realçava as cores da história: o presidente da Caixa à época do pedido de empréstimo era Lafaiete Coitinho (hoje presidente do Banco do Brasil), que supostamente fora indicado para o cargo pelo personagem mais execrado hoje em dia no Brasil, o PC.

O caso cabia como uma luva para a Folha, que tentava recuperar o terreno que havia cedido, junto com os outros jornais diários, à revista "Veja". Ocorre que o jornal não checou corretamente as informações que veiculou. No dia seguinte, o caso que poderia vir a redimir o jornal no caso PC Farias simplesmente desapareceu da primeira página. No Painel do Leitor da Folha, uma carta do atual presidente da CEF, Álvaro Mendonça, contestava a reportagem. Dentre outras demonstrações, Mendonça afirmava que o empréstimo, como demonstravam documentos anexados à carta, fora solicitado com cerca de cinco meses de antecedência a sua liberação em lugar dos quinze dias que a Folha informara.

A resposta dos jornalistas que apuraram a reportagem não chega a refutar as alegações de Mendonça. Admite implicitamente que o jornal teve acesso a apenas parte das informações sobre o assunto. Além da resposta, o fato de a Folha a partir daí ter praticamente enterrado o assunto representou uma outra admissão do equívoco.

Apenas um personagem não ficou satisfeito com o desfecho, o ex-presidente da Caixa, Lafaicte Coutinho. Ele se achou injustamente atacado, com as insinuações presentes na reportagem de que participaria de um esquema para apressar liberações de verbas oficiais para a empreiteira Serveng-Civilsan em troca de propinas.

Segundo Coutinho, a Folha não o ouviu quando publicou as acusações e não reconheceu o erro quando houve o desmentido, O episódio ilustra que o direito de resposta executado no jornal na maioria das vezes não repara com a mesma intensidade os danos morais impingidos a pessoas citadas no noticiário, principalmente, hoje em dia, elas pertencerem ao combatido governo Collor.

ALTA E BAIXA

ALTA para a "Folha da Tarde", que estreou novo projeto editorial e gráfico na semana que passou. Modernizado, o jornal em nova fase parece ter condições de competir e roubar leitores dos concorrentes, inclusive a própria Folha.

BAIXA para "O Estado de S. Paulo", que obteve em abril sua pior média de venda em bancas aos domingos desde 1984, 177.882 exemplares. Há um ano, a mesma média foi de 277.536, ou 100 mil jornais a mais. A Folha vendeu este ano 229.764 em média aos domingos. Em abril de 91, vendia em bancas aos domingos 149.914 exemplares em média.

BAIXA para a Folha, por reativar campanha contra a progressividade do IPTU na cidade de São Paulo. Na quarta-feira passada, a manchete do caderno Cotidiano foi "IPTU de Erundina lesa contribuinte". O subtítulo: "Para tributaristas, ao impedir a quitação do imposto, Prefeitura ganha com a correção monetária". Título de box que acompanha a reportagem: "Justiça é desrespeitada". Título de quadro editado no mesmo espaço: "Como a Prefeitura ganha com o imposto". O secretário municipal de Finanças, Amir Khair, foi ouvido, mas mereceu apenas dois parágrafos, sem qualquer título.

RETRANCA

A partir de hoje estarei participando na cidade de Toronto, no Canadá, do encontro anual da ONO (Organization or News Ombudsmen).

A organização congrega os profissionais que exercem a função de defensores dos leitores em vários jornais de todo o mundo.


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