Folha de S. Paulo


O furo de "Veja"

Há sete dias, a imprensa brasileira viveu um momento especial. A entrevista de Pedro Collor, com graves acusações contra seu irmão, o presidente Fernando Collor, e o empresário PC Farias, tesoureiro da campanha que levou o ex-governador de Alagoas ao Palácio do Planalto, funcionou como uma descarga de energia que atravessou o país de Norte a Sul.

A primeira tiragem de 836.000 exemplares da revista desencadeou uma crise política; provocou pronunciamento presidencial em cadeia de rádio e TV; derrubou a popularidade do presidente a níveis inéditos; obrigou o Congresso a convocar uma Comissão Parlamentar de Inquérito; mereceu 20 citações para a revista em dez jornais estrangeiros e complicou até a situação protocolar de centenas de chefes de Estado em quase todos os países do mundo, na véspera de sua chegada ao país para a mega-reunião sobre meio ambiente que começa nesta semana, no Rio de Janeiro.

Em algumas bancas de São Paulo, a revista desapareceu em questão de minutos na noite de sábado, o que se repetiu em outras cidades, obrigando a uma nova tiragem de 150.000. Efeito equivalente só mesmo o conseguido há cinco anos pela revelação de Jânio de Freitas nas páginas desta Folha a respeito da manipulação dos resultados da concorrência para a construção da ferrovia Norte-Sul.

Os dois casos podem ser vistos como marcos de uma era muito importante para a reportagem brasileira. O furo de Jânio de Freitas trouxe à tona fotos gravíssimos - de que já se suspeitava, mas de que, até não existiam evidências - acerca da manipulação do Estado por grupos privados e autoridades.

O trabalho de "Veja" propicia outro daqueles raros momentos em que o país tem a chance de poder observar as entranhas do poder expostas à luz do dia por fissuras abertas por indivíduos ou grupos de interesse alijados do centro de decisões.

Se é verdade que essas revelações em geral trazem consigo também um tom condescendente para com a pessoa ou grupo que faz a denúncia, é também certo que, frequentemente, resultam em benefício para o cidadão.

Nesse caso, por exemplo, ficou evidente a todos o que pode ser um Estado dentro do Estado, funcionando com total autonomia, sem qualquer controle da sociedade. Apareceu uma ferida que muitos políticos não querem tratar: o mecanismo pelo qual grupos privados propõem ou aceitam financiar campanhas de candidatos e que acabam subordinando os futuros governantes e parlamentares a seus interesses desde antes do pleito.

Tanto no que toca à veracidade da existência da associação criminosa entre PC Farias e o presidente, quanto no que diz respeito ao suposto uso de drogas por Fernando Collor na juventude e outros assuntos de natureza familiar, não se pode negar que a fonte das denúncias é pessoa com grande chance de ter tido acesso direto aos fatos, se é que eles existiram.

Passado o choque inicial causado pelas revelações de Pedro Collor a "Veja", agora que ele já parece procurar uma composição com o irmão-presidente, a conclusão é de que o país teve a oportunidade de encarar novos problemas, temas desagradáveis que ninguém ousava discutir de forma pública e democrática.

Para além das revelações em si, "Veja" acabou demonstrando a fragilidade dos jornais no episódio. Numa atitude defensiva, eles patinaram durante a semana retrasada para entrar num assunto que devia ser deles. Também no domingo passado, a Folha ainda publicou manchete baseada em entrevista rápida com Pedro Collor, mas ficou claro que se tratava de um esforço de última hora destinado a procurar apenas recuperar parte do terreno que se previa seria ocupado por "Veja" em sua reveladora edição.

O OUTRO LADO

No domingo passado, esta coluna não pôde registrar a versão dos dirigentes do jornal "Winnipeg Free-Press", acusados de terem demitido o ombudsman Barry Mullin, 50, porque este não teria concordado com as exigências do publisher do jornal, Maurice Switzer, de que sua coluna fosse apresentada para aprovação prévia 48 horas antes da publicação.

Na noite da sexta-feira retrasada, foram feitas cinco ligações telefônicas com a direção do "Free-Press", todas cortadas antes de serem completadas, à exceção de uma que caiu depois que eu me identifiquei à secretária de Switzer. Por erro meu, a coluna do último domingo não registrou as tentativas.

Na quinta-feira passada, o contato foi feito. David Lee, 46, secretário de Redação do "Free-Press", informou inicialmente que a direção do jornal estava relutante em se pronunciar sobre o assunto, em disputa judicial.

Depois, concordou em fazer alguns esclarecimentos. Disse que Mullin não fora demitido, mas que solicitara sua demissão por escrito. Declarou que o ombudsman tomou a decisão de sair porque lhe foi solicitado que apresentasse sua coluna 48 horas antes da publicação.

Confirmou que o pedido alterava as condições anteriores de exercício da função de ombudsman, mas não na medida a ameaçar a posição de independência do cargo. Falou também que a razão da exigência fora discordância da direção do Jornal em relação ao fato de a sua versão dos acontecimentos não ter sido registrada no artigo crítico de Mullin.

Em suma: a direção do "Free-Press" acha que Mullin não ouviu o "outro lado", ou seja, ela própria. Assim, resolveu fazer-lhe algumas exigências, que o ombudsman teria rejeitado. Mullin diz ter sido demitido.

Em sua última coluna, o ombudsman do "Free-Press" comentava as concepções editoriais que o jornal revelara na maneira de publicar o noticiário da revolta de Los Angeles. O jornal teria omitido o assunto na capa de parte de sua edição de 1 de Maio passado. No artigo, Barry Mullin dizia que a falha expressava algo mais: uma mudança de prioridades em curso no "Free-Press" no sentido da adoção de um jornalismo tendente a privilegiar notícias agradáveis e edificantes.

ALTA E BAIXA

BAIXA para toda a imprensa, pelas demonstrações de hipocrisia e preconceito religioso demonstrados no episódio da prisão do bispo Edir Macedo.
Há muita manipulação da informação com interesses comerciais contra uma seita cujas práticas agora condenadas são similares e até em certos aspectos mais amadoras do que a rotina arrecadadora de cultos há muito consagrados. Sendo Macedo também um empresário do setor de comunicação, seus concorrentes são interessados diretos em prejudicá-lo e não têm distanciamento para informar com isenção. Como se sabe, angariar fundos e prometer curas e felicidade não são expedientes usados apenas pela Igreja Universal do Reino de Deus. Que se investigue todas as religiões com igual rigor, então.

ALTA para a Folha, por ampliar para três páginas em média o espaço dedicado à cobertura de esportes. Falta ainda transferir confiança ao leitor, que está cético e escaldado pelas oscilações dos últimos anos, a respeito do que esperar da cobertura de esportes feita da Folha.

A MÉDIA A MÍDIA

CORREÇÃO
Na quarta, "O Estado de S. Paulo" publicou sem checar carta no "Fórum dos Leitores" lastimando a morte de Inezita Barroso. A cantora (vivíssima) recebeu inúmeros telefonemas e telegramas. O jornal reconheceu a falha.


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