Folha de S. Paulo


A república dos dossiês

O chamado "dossiê PC", revelado pela "Veja" que circulou domingo passado, constitui amostra eficaz de como as denúncias de irregularidades que vêm a público constituem mais o resultado de uma espécie de guerra de facções que se desdobra através da imprensa do que produto de um trabalho de investigação autodeterminado e independente dos jornalistas.

É este o tom do jornalismo na república dos dossiês. A grande maioria dos "furos" chega às redações de jornais e revistas quando algum grupo se vê interessado na divulgação de alguma informação comprometedora a respeito de um inimigo real ou potencial.

Em geral, o objetivo dos que preparam dossiês não é o de impedir a realização de atividades criminosas lesivas ao país nem conseguir a apuração dos crimes e a punição dos envolvidos nas irregularidades apontadas.

O que se quer é golpear a facção inimiga, dissuadi-la de ocupar espaço ou deslocá-la de determinado território. Os artesãos de dossiês quase sempre se abrigam no anonimato. Suas obras às vezes passam por outras mãos que as levam reservadamente aos jornalistas. Quem assume a autoria da denúncia a maioria das vezes é o repórter ou a publicação que a veicula.

O autor desse "dossiê PC", o irmão mais novo do presidente Collor, Pedro Collor, logo assumiu a obra e, mais do que isso, deu a conhecer solenemente seus objetivos. Baseado em documentos, e com um ímpeto digno dos mais infelizes momentos do irmão presidente, Pedro Collor anunciou que fazia a carga contra o empresário e ex-tesoureiro da campanha eleitoral do presidente, Paulo César Farias, o "PC", para impedir a todo custo, que o PC lance o jornal "A Tribuna de Alagoas" para concorrer com a "Gazeta de Alagoas", da família Collor: "Não vou assistir impassível ao desmonte do patrimônio da família ", declarou Pedro Collor à "Veja".

No dossiê, PC é acusado de manter pelo menos nove empresas em paraísos fiscais do exterior operadas através de testas-de-ferro. Imediatamente, Receita Federal, Polícia Federal e Banco Central correram a abrir inquéritos contra aquele que até há pouco era a eminência parda da república e que fora apresentado a Collor pelo seu irmão Pedro.

Tudo indica que Pedro Collor sabia há muito das supostas irregularidades de PC, mas que só agora as traz ao conhecimento do público e apenas para demovê-lo da intenção de abrir um jornal que sirva de suporte para a montagem de um esquema político alternativo ao da família Collor em Alagoas.

Como ocorreu recentemente na guerra que "O Globo" e "Jornal do Brasil" travaram no Rio, o episódio não é muito abonador para a imagem dos capitães de jornal, nem depõe a favor de seus métodos.

Quanto à imprensa, fica evidenciado um problema de resolução complexa. Existe uma passividade, uma dependência em relação às migalhas da informação interessada, que vez por outra sobram do banquete dos poderosos. O fenômeno é percebido fora das redações e afeta a credibilidade dos veículos.

Editores e repórteres devem questionar essa situação e desenvolver alternativas que os levem a descobrir as informações antes de elas serem vazadas e moldadas ao gosto de diversos grupos em disputa nos centros de poder político e econômico. Tal estratégia implica uma sofisticação e rigor técnicos provavelmente superiores aos que o imediatismo em voga permite. Mas não há outra saída.

ALTA E BAIXA

BAIXA para a Folha, por publicar reportagem na terça-feira passada informando que o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), autor da denúncia a respeito da inclusão ilegal de 65 emendas no Orçamento da União depois de sua aprovação pelo plenário do Congresso, participara ele mesmo da decisão que autorizou o então deputado Ricardo Fiuza a introduzir as mudanças no projeto de orçamentário já votado. No dia seguinte, a Folha fez um editorial criticando com dureza o senador. Na quinta-feira, o jornal publicou um "Erramos" informando que Suplicy não participara da decisão de mudar o orçamento.

BAIXA para a Folha, por sua nova campanha publicitária da Revista da Folha, veiculada na TV. A campanha incentiva o comportamento ilegal e é uma edição atualizada daquele "gosto de levar vantagem em tudo, certo?", que Gérson celebrizou.

BAIXA para a Folha, por incluir o general Agenor Homem de Carvalho (chefe do Gabinete Militar da Presidência), o coronel Roberto Pimenta (assessor de Agenor) e a construtora Norberto Odebrecht como indiciados no caso do suposto crime de suborno do ex-ministro Antonio Magri. Ao contrário do que o jornal publicou, na chamada da manchete da edição de sexta-feira, os militares não foram indiciados. A Folha publicou um corajoso "Erramos" na Primeira Página da edição de ontem. Vale registrar que, talvez, baseado na reportagem da Folha, o concorrente "O Estado de S. Paulo" publicou ontem um editorial comentando o "indiciamento" inexistente de Agenor e Pimenta.


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