Folha de S. Paulo


Torcer ou não torcer

O que mais surpreende na cobertura que a imprensa realizou da reforma ministerial é que tenha havido tamanho surpresa por parte dos veículos de comunicação diante de seu desfecho afinal anunciado. Fracassadas as investidas do presidente Collor para obter a grife tucana, o Plano não tardou em anunciar o resultado de outras articulações que ocorriam em paralelo e que acabaram sendo aquelas de sindicados políticos mais concreto.
Aliás, do lado da imprensa, a perplexidade esteve presente desde o início do episódio. Collor forçou a demissão coletiva do ministério, após uma articulação mantida em segredo até para os colaboradores mais próximos, sem que ninguém conseguisse penetrar no dique que ele mesmo montou.

Passada a primeira fase da reforma, marcada pela confirmação de Marcilio Marques Moreira e o convite de Célio Borja e Helio Jaguaribe, as atenções se voltaram para as complicadas iniciativas para incluir o PSDB no governo.

Outras iniciativas foram noticiadas com um tom claramente secundário. Fascinada pelo espetáculo publico nas reuniões da executiva tucana, a imprensa se deixou embalar pelo drama hamletiano do PSBD e acabou informando mal.

Vê-se aí a demonstração de um desvio conhecido no jornalismo. Há um cacoete burocratizante no trabalho de coleta de informações, uma acomodação à rotina que, muitas vezes, despreza o fato para priorizar aquilo que tem apenas aparência de informação. Muitas vezes prospera tendência a dar importância enorme a reuniões com grande pompa e circunstancia, com ares e caretas, quando na realidade a decisão efetiva se dá em ambientes e circunstancias mais banais, reservadas e desinteressantes. Nessa atração romântica pelo espetáculo, ficam muitas vezes cegos pela luz que eles mesmos jogam sobre o palco. Os jornalistas passam então a cobrir porta de reunião e anuncio oficial, eventos que em geral mais servem para afastar do que para se acercar da verdadeira informação.

A alternativa ministerial ao possível malogro na negociação PSDB-governo deveria e poderia ter sido antecipada pela imprensa com mais ênfase. Para o equivoco pode ter contribuído o estranho fascínio que a tendência política centro-esquerdista, representada pelos tucanos e seu enigma de identidade, exercem sobre os jornalistas. O fenômeno provocara desfoque semelhante quando da cobertura dos trabalhos do Congresso constituinte. Na ocasião, a facção conversadora do Centrão foi subestimada por meses a fio até provocar sua força real, do que deu nova demonstração nos últimos dias.

Colhida de surpresa na última quinta-feira, a reação da Folha foi a de classificar o anúncio do novo ministério, formado por muitos políticos e administradores que serviram a governos militares, como um anticlímax que frutava as expectativas criadas pela demissão coletiva da equipe anterior.

Tal posição expressa em editorial foi acompanhada por uma batia de reportagens, algumas delas excessivamente opinativas, além de artigos analíticos cujo tom não negava uma certa expectativa frustrada: o Brasil estava entregue de novo aos fisiológicos, ao passado, ao retrocesso, à Arena, aos "dinossauros" e "biônicos".

Nada contra as opiniões emitidas. Mas tudo contra o fato de que tenha havido mistura de opinião e informação em reportagens e contra a ausência de um balanceamento jornalístico que completasse também analises favoráveis ao ministério conservador.

O saudável ceticismo da imprensa deve servir como instrumento também contra as próprias inclinações de seus jornalistas. A melhor salvaguarda para um processo democrático vigoroso é uma imprensa livre, que possa servir como fórum para a expressão de diferentes pontos de vista sobre o país. Neste quesito, a Folha tornou-se imbatível. Deve zelar para manter a primazia.

RETRANCA
Com referência à informação publicada nesta coluna no último domingo, informa o jornalista Fernando Metri, diretor executivo do "Jornal da Tarde", que não há qualquer restrição à publicação de reportagem sobre suposta importação irregular de equipamentos superfaturados de Israel pelo governo Quércia. Acrescenta que reportagem sobre o assunto foi veiculada normalmente no dia 24 de março passado e afirma que o jornal votará ao caso.
Baixa para a Folha, por se deixar levar por preconceitos ideológicos na cobertura do golpe de Estado no Peru. O jornal aproveitou o ensejo do execrável golpe contra as liberdades civis no Peru para publicar análises que unanimente atribuíam o fato à política do Fundo Monetário Internacional e à economia de livre mercado que vem se implantando no país. Junto ao noticiário, o jornal editou uma pífia "repercussão" do golpe junto a três pessoas (dois economistas e um deputado). Todas culpavam o FMI. Baixa para "O globo", por omitir qualquer informação referente

à determinação judicial, expedida no último dia 31 de março, suspendendo os créditos da Caixa Econômica Federal à Globopar, pertencente ao mesmo grupo que edita o jornal. Diz a direção de "O Globo" que o jornal foi furado por reportagem paga publicada em outro veículo de comunicação e que por não ter ineditismo não vê interesse no assunto. O empréstimo foi conseguido a juros inferiores e prazos de pagamento mais dilatados que os praticados pelo mercado.


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