Folha de S. Paulo


Nada a comemorar

Há quem considere a reforma ministerial do presidente Collor uma vitória da democracia, prova de liberdade e do poder da imprensa. A reforma aparece também como consequência do volume inédito de denúncias contra autoridades que a imprensa produziu nos últimos tempos.

O próprio Collor, na entrevista que concedeu a editores, diretores de redação e colunistas durante o café da manha da terça-feira passada, entregou-se a demonstrações retóricas que acabaram por indiretamente legitimar a veracidade das supostas irregularidades apontadas pela imprensa. Disse que as reportagens sobre o governo desencadearam a reforma, decidida, de acordo com a versão oficinal, na segunda-feira passada. Disse Collor:

"Eu ocupava dois terços do meu tempo, da minha energia, diariamente, para ficar cobrando: "Vem cá, o que é isso? O que aconteceu? Traga aqui as provas de que isso não aconteceu. Já respondeu? Já mandou a carta? Já falou com o repórter, já falou com o editor? Eu quero isso, eu quero...' Tenho que estar com a minha cabeça voltada para outros desafios. Essa coisa é extremamente desgastante e não tem por que isso estar acontecendo".

Naquela manhã, enquanto Collor e os jornalistas conversavam no Alvorada, as manchetes dos quatro mais importantes jornais (todas as duas linhas e seis colunas) tinha a mesma coloração de júbilo e esperança renovada: "Denúncias de corrupção provocam a maior reforma ministerial de Collor" (Folha); "Denúncias de corrupção levam Collor a dissolver ministério" ("O Globo"); "Renúncia coletiva abre caminho para Collor limpar ministério" ("O Estado de S. Paulo"), "Collor recomeça o governo com a renúncia coletiva do Ministério" ("Jornal do Brasil").

Tenta festa tinha razão. A reforma ministerial de Collor calava a boca de vários membros do antigo ministério. Eles vinham reclamando da falta de critérios com que muitas acusações eram feitas.

A reforma também culminava a história do volúvel relacionamento governo-imprensa. No começo de sua gestão, Collor obteve a adesão ou a boa vontade generalizadas. A exceção foi a Folha, cuja independência lhe valeu invasão e processo.

O tempo passou e Collor perdeu popularidade. A imprensa se afastou, passou a uma atitude cada vez mais crítica, por sinal mais condizente com as inclinações políticas das redações. Criou-se uma unidade. E em geral quando a imprensa se une o jornalismo perde.

Pode parecer que a oposição dos últimos meses seja atitude mais acertada do que a adesão inicial. Afinal, diz a versão corrente, a imprensa acaba de provar seu poder e derrubar um ministro corrupto.

A sensação de vitória, entretanto, é o maior perigo deste episódio. Há quem pense que tudo que foi feito contra a "Republica de Alagoas" (termo cunhado pela revista "Veja" para qualificar o governo Collor-1) amparou-se na mais completa ética jornalística. Mas além do jornalismo investigativo da melhor qualidade presente em muitas reportagens, essa sensação de vitória pode consagrar também a prática das acusações sem evidências, o julgamento apriorístico, o relaxamento nas salvaguardas que visam a preservar a integridade moral dos personagens do noticiário, numa "blitzkrieg" que embola na mesma onda corruptos e honestos, o omisso e seu vizinho, o competente e o inepto.

Se isto estiver acontecendo, independentemente de considerações sobre a competência do novo ministério, é o caso de se lamentar, os está se comemorando o que na verdade é um retrocesso em termos de rigor em isenção jornalísticos.

No quadro que se criou, tende a ser menos o espaço para a análise isenta. Passam a existir constrangimentos para quem por exemplo possa estar percebendo ações positivas do lado oficial. Me disse um observador que num governo desmoralizado como o que existia até agora, a denúncia é operação de baixo risco e alto retorno, que quase todo mundo faz com maior ou menos competência. Já elogio era exercício arriscado, para o qual é necessário coragem, capacidade de discernimento e senso de justiça.

O CASO "CABRERA"

Exemplo dessa situação foi dado domingo passado. A Folha publicou reportagem apontando caso de suposta irregularidade. Disse que o ministro da Agricultura, Antonio Cabrera, fretava ao governo jatinho que utiliza em suas viagens pelo Brasil. O jatinho é de propriedade da família do ministro. Tudo pago pelo contribuinte através do Ministério da agricultura. Acompanhando a reportagem, texto analítico diz que Cabrera era o ministro que tinha merecido maior espaço na mídia com informações elogiosas "porque telefona diariamente para editores e colunistas".

No mesmo dia, a sucursal do jornal em São José do Rio Preto, origem da reportagem (mas não do texto analítico feito em São Paulo) recebeu visita de Cabrera. No dia seguinte, a Folha publica texto relatando a visita e dizendo que a notícia contra Cabrera fora "baseada em informante fidedigno que, no entanto, não apresentou provas da afirmação". Na terça, a Folha publica ainda uma carta do ministro desmentindo a reportagem. Cabrera dizia que jamais fretou qualquer avião para suas viagens. Nenhuma "Nota da Redação" da Folha mantinha as informações publicadas. Nenhum"erramos" as retificava. Em função da reportagem pesa até hoje sobre o ministro grave acusações sem provas, com repercussões que vão além do episódio em só.

Enquanto a imprensa festeja, prospera a tolerância diante dessa verdadeira epidemia de denúncias levianas, que atiradas a esmo podem a médio prazo prejudicar a credibilidade dos próprios veículos de comunicação.
Alta e baixa

Baixa para os jornais "Diário Popular" e "Jornal da Tarde", ambos de São Paulo, por vetarem a publicação de reportagens relativas ao caso da importação superfaturada de equipamentos de Israel para a Universidade de São Paulo (USP), ocorrida ao final do governo Orestes Quércia. O "Diário Popular" tem repórteres acompanhando o caso na polícia Federal, mas não publica nenhuma reportagem.

Baixa para a revista "IstoÉ"m por publicar texto pretensamente favorável aos trabalhadores em sua edição de 1º de abril passado. A revista critica a demissão da diretora do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo Denise Fon do cargo de assessora de imprensa da Secretaria Municipal de Abastecimento. "IstoÉ" acusa o autor da demissão, o deputado estadual licenciado e titular da Secretaria, Lucas Buzato (PT), por desrespeito à imunidade sindical.

"IstoÉ" não informa, porém que nutre outros interesses contra o secretario. Quando deputado, Buzato foi o responsável pela apuração do caso do patrocínio do Banespa à revista (US$ 4,8 milhões em 1991, mais do que todos os jornais e rádios de São Paulo somados. Ele acusou Luiz Antonio Fleury Filho (PMDB) de privilegiar a revista, que só faz elogios ao seu governo. Agora, "IstoÉ" se vinda da investigação feira por Buzato.

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Ao contrário do que divulgou esta coluna domingo passado, foi o jornal "O Globo" quem primeiro divulgou a identidade da loira que passeou com o ministro Magri em Genebra. A revista "Veja" deu a informação um dia depois que o jornal carioca.


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