Folha de S. Paulo


Um caso exemplar

Tudo indica que com o caso Magri, o país presencia o episódio mais caricatural de admissão do recebimento de suborno por uma alta autoridade. Presencia também o que até agora vem a ser uma história de sucesso para a imprensa brasileira.

Em gravação declarada autêntica pela Polícia Federal e cujo teor foi revelado de forma explosiva pela revista "Veja" no domingo passado, o ex-ministro do Trabalho e da Previdência Social, Antonio Magri declara solenemente que recebeu US$ 30 mil para realizar serviços de parcelamento de dívidas de uma empresa com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

A gravação foi feita por Volnei Ávila, ex-diretor de Fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A conversa foi captada por um minigravador que Ávila tinha escondido no bolso do paletó. Magri propôs a ele associação em quadrilha para fazer outras negociatas do tipo e ganhar "aí, pô, 50 milhões, 100 milhões". A gravação foi feita no dia 28 de novembro passado.

Desde então, Ávila vinha assediando assessores do presidente Collor com a denúncia de que Magri era corrupto, sem que ninguém lhe tenha dado ouvidos. Ou seja, o escândalo acabou envolvendo dois ministros, Jarbas Passarinho, da Justiça, e Agenor de Carvalho, chefe do Gabinete Militar, colaboradores muito próximos do presidente Collor.

A rigor, a existência da gravação não constituía novidade desde 27 de fevereiro, quando essa Folha e "O Globo" publicaram em primeira página a denúncia da deputada Cidinha Campos (PDT-RJ) que providenciou ela própria uma outra gravação. Nela, Ávila admitia que o procurador aposentado do INSS, Edgar Seráphico de Souza Filho ter gravado a conversa em que Magri confessava a prática de corrupção.

Esse primeiro furo, entretanto, não mereceu manchete de capa na Folha ou em "O Globo", mas abriu espaço para que se iniciasse ampla investigação. A partir daí, o volume de informações cresceu. "O Estado de S.Paulo" e "Jornal do Brasil", furados no primeiro dia, também entraram na corrida no dia seguinte.

Descobriu-se que, em circunstâncias ainda não inteiramente esclarecidas, Ávila procurara o Palácio de Planalto em várias ocasiões para comunicar que tinha provas do envolvimento de Magri em corrupção. A fita da conversa Magri-Ávila chegou à Polícia Federal, que constatou sua autenticidade. Duas novas linhas de investigação se abriram.

Na primeira, pesquisou-se se o valor dos bens de Magri era exagerado. Folha e "Veja" publicaram detalhada lista de imóveis pertencentes a familiares e pessoas próximas. Pelo que foi noticiado a lista é considerável, embora por ela não se possa dizer que Magri é um homem rico. A Folha chegou a noticiar também o suposto romance entre o ex-ministro e Derci de Souza, funcionária da tesouraria do Sindicato dos Eletricitários, de que Magri fora presidente. Darci, que nega o relacionamento, comprou no ano passado um apartamento avaliado hoje em Cr$100 milhões.

Na outra linha de investigação, o tema é mais nebuloso. Ele envolve o Planalto e consta de várias perguntas que se resumem a uma: o governo não deu atenção às denúncias de Volnei sobre o caso porque elas genéricas, porque procurou evitar os problemas políticos que uma tal investigação traria ou por razões ainda piores?

Até agora essas questões ainda estão sem resposta. Com os meios à disposição, é papel da imprensa levar a investigação - desse caso raro descoberto de suposta formação de quadrilha para corrupção - às últimas consequências. Está se vivendo um momento importante para a imagem da imprensa no Brasil. A chance não deve ser perdida.

ALTA E BAIXA

BAIXA para a Folha, por abrigar sem resposta expressão tão preconceituosa como a que foi publicada em sua página de moda do sábado retrasado: "A mulher dos anos noventa também tem um pouco de puta", dizia o texto principal na referida página.

BAIXA para a revista "Veja" por noticiar, em reportagem elogiosa ao ex-porta-voz Claudio Humberto, que o mesmo "não cortou o diálogo" com os jornalistas da Folha, durante o período em que o governo Collor movia processo contra o jornal. Não é bem assim. Sistematicamente, Claudio Humberto mantinha almoço para fornecimento de informações em "off" a diversos chefes de sucursal de órgãos de imprensa em Brasília. A Folha nunca foi convidada para ocasiões semelhantes. Jornalistas da Folha eram os únicos a não serem convidados para entrevistas coletivas em "off" que o porta-voz concedia com regularidade a toda a imprensa credenciada no Planalto. A partir de um determinado momento, o porta-voz simplesmente parou de receber ou responder a perguntas do jornal, mesmo as que foram feitas por escrito, recurso extremo adotado pela Sucursal de Brasília. Para a Folha, a "competência" e o "profissionalismo" que a "Veja" viu em Claudio Humberto materializaram-se na forma de seguidos recados ameaçadores asseverando que o diretor de Redação do jornal acabaria na cadeia ao fim do processo na Justiça.

BAIXA para a Folha, por deixar de informar, na divulgação da pesquisa sobre a opinião da população a respeito do aumento do IPTU em São Paulo, registro desfavorável dando conta de que a maior parte dos consultados considerava que as televisões e os jornais exageravam nas críticas ao aumento do IPTU pretendido pela Prefeitura.

ALTA para a Folha, por ultrapassar hoje a marca de 600 mil exemplares de tiragem. Se o jornal vai manter essa posição privilegiada ou mesmo crescer é outro papo, mas que chegou lá, chegou.


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