Folha de S. Paulo


Convite à frustração

Você é daqueles que insiste em gostar de futebol? Não conseguiu ainda se livrar do vício de dar uma olhadinha na página de esportes para ver como foi o jogo do time de sua preferência no dia anterior? Se você é desse jeito e lê a Folha, é melhor desistir do amor pelo futebol porque o jornal aparentemente resolveu na prática banir de suas páginas um acompanhamento minimamente sério dos jogos do Campeonato Brasileiro, a mais importante competição de futebol do país.

Não que um certo desprezo pelo futebol constitua propriamente novidade na Folha. Ao contrário, não é de hoje que o jornal exibe um ar blasè diante do tema. Há quem veja nisso até um certo charme. Mas agora a questão chega a tal ponto que não será surpresa se o futebol simplesmente desaparecer para sempre, como se estivesse incluído num index de assuntos pueris a quem não sabe maior consideração.

A fazer tal opção, a Folha deveria comunicar aos leitores, que então não mais esperariam do jornal a cobertura dessa modalidade. Seria uma perda, mas ao menos o público não teria falsas expectativas. Muito pior é a situação atual em que se faz de conta ridiculamente que o tema tem alguma relevância.

Na segunda-feira passada, a Folha publicou de fora a fora no alto da capa um quadro cm duas fotos sobre jogos de times paulistas. Um pequeno título sobre as fotos anunciava "Futebol no domingo". A legenda das fotos não identificava nenhum dos jogadores. Afora esse detalhe, aparentemente menor, tudo induzia à crença de que as notícias do que aconteceu na página 6-6, para onde o jornal remetia os leitores.

A página 6-6, porém, era o anticlimax. Escondidos na parte inferior da página foram editados relatos inócuos de duas partidas. Um dos jogos citados com foto na capa do jornal, Portuguesa 1 x Internacional 1, sequer foi noticiado na página interna. Mereceu apenas a publicação do resultado.

A cobertura de futebol foi o motivo que suscitou o maior número de reclamações de leitores da Folha na semana. O tom geral das críticas é de que a Folha engana o público que se interessa pelo futebol em São Paulo. Do noticiário de futebol os leitores esperavam um padrão de qualidade equivalente ao que a Folha propicia em política, ou cultura, por exemplo. Os leitores reclamam que a Folha deu muito destaque a assuntos desinteressantes para o público brasileiro, como as Olimpíadas de Inverno. Dizem que o Brasil nem neve tem.

Os responsáveis pela Redação da Folha podem argumentar que o jornal não tem espaço disponível, que precisa então dar precedência a certos temas em prejuízos de outros. Talvez este seja o x do problema. Na mesma edição de segunda-feira passada, a Folha preferiu dar a capa do caderno de Esportes para um jogo de basquete norte-americano e ainda reservou uma página inteira ao futebol europeu.

Arrisco a suposição de que existem outras razões além da relativa decadência do futebol brasileiro para justificar o desconforto da Folha com o assunto. De certa forma, a cobertura do futebol deita desde sempre pelos meios de comunicação no Brasil representa muito do que o chamado Projeto Folha, implantado desde a década de 80, procura abolir, ou seja, a informação submetida à paixão -a jornadas patrióticas, por exemplo, no caso da seleção brasileira–, a falta de critérios claros e técnicos de análise, narração teatral e "empolgante" das partidas.

Ao contrário, a Folha quer se identificar por ter um olhar mais distanciado, informativo, objetivo. Um noticiário que não se renda ao pitoresco, à estagnação e à estreiteza intelectual dominante no ambiente do futebol no Brasil.

Nesse caminho o jornal tentou inovar. Usou levantamentos dos números das partidas feitos pelo DataFolha, adotou um estilo seco, até burocrático, nas reportagens, mobilizou jornalistas de outras áreas para escrever sobre os jogos a partir de uma perspectiva diferente. Não se pode dizer que essas expectativas jamais tenham chegado a se afirmar como uma alternativa bem sucedida ao estilo tradicional. Mas elas indicam ao menos indicavam ao menos uma inquietação por parte do jornal, uma atitude ao meu ver mais produtiva do que a omissão atual, que é agravada por chamadas ilusórias na capa do jornal, as quais se podem mesmo dar aos leitores a impressão de estarem sendo vitimas de um engodo.

ALTA E BAIXA

BAIXA para "O Estado de S. Paulo" e seus aliados do "Comitê pela Democratização dos Meios de Comunicação". Por tentarem mobilizar o governo contra a Folha. Inerte ao estrago que os roteiros de ofertas de empregos e imóveis da Folha promovem em seus classificados, "O Estado", não engendra nenhum contra-ataque efetivo; com sua circulação dominical em queda, o jornal limita-se a se aprovar de ressentimentos de entidade e militantes filiados à CUT e ao PT para incentivar acessos propagandísticos contra a Folha.

BAIXA para o Sindicato das Agências de Propaganda do Estado de São Paulo, que usa textos deste ombudsman para amparar ação judicial contra a Folha. Se há alguma coisa que o questionável "Folhão" de domingo está fazendo de útil é liquidar o cartel montado entre "O Estado de S. Paulo" e algumas agências conluiadas em torno do citado "sindicato". O uso de minhas opiniões no processo dá prova da independência da instituição do ombudsman neste jornal, coisa impensável no concorrente.

ALTA para a Folha, pelas reportagens de Edna Danas sobre o luxo da casa do presidente Collor e pela série de Gilberto Dimenstein sobre a escravidão de menores no norte do país.

RETRANCA

O editor chefe de "O Globo", Luis Erlanger, liga para apontar erro de informação na coluna do último domingo, quando for dada uma "Baixa" para o maior jornal do Rio pelo destaque dado a uma decisão de greve pelos professores. A nota dizia que poderia haver interesse político do jornal de Roberto Marinho em destacar o movimento, desfavorável a seu arquinimigo, o governador Leonel Brizola. Essa coluna errou ao informar que a greve era dos professores estaduais. Na verdade a decisão foi dos mestres do município, administrado também pelo brizolismo. A essência da akálise, portanto, está mantida.

A MÉDIA DA MÍDIA

Uma ânsia pela descoberta de problemas com a saúde o presidente Collor levou as duas barrigas (jargão jornalístico que designa informação inteiramente falsa) espetaculares durante a semana. Na terça-feira a Folha deu que o governo estudava a possibilidade de o presidente Collor tirar férias. O caso deu margem a um íntegro "Erramos" no alto da primeira página do dia seguinte. A segunda, talvez ainda mais grave, provocou baixas nas cotações da Bolsa e foi veiculada pela "Agência Estado", na quinta-feira. Anunciava que o presidente Collor seria submetido a uma cirurgia. Também foi retificada.


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