Folha de S. Paulo


Por que brigam "O Globo" e "JB"?

O "Jornal do Brasil" e o "O Globo" entraram em luta publicitária aberta no último fim-de-semana. A briga começou na quinta-feira, 16 de janeiro, quando "O Globo" lançou caderno especialmente para festejar a inauguração de moderna impressora. Na capa do caderno, uma grande foto da rotativa. Preenchendo todos os espaços em volta da máquina, nos seus corredores, apareciam dezenas de funcionários; entre eles, à frente, impossível não perceber a figura do jornalista Roberto Marinho.

Além de reproduzir o espírito papa-hóstia das cerimônias de entrega dos prêmios do tipo operário-padrão que o jornal promove, o caderno especial de " O Globo" não trazia nada de notável. Era o resultado de mais uma enfadonha operação do tipo "eu me amo" a que se entregam nesses momentos muitas publicações, -inclusive a Folha.

O "Jornal do Brasil", entretanto, tomou-se de dores à leitura de um texto publicado na contracapa. Ali, "O Globo", sem muito destaque, gabava-se de ter sido, na madrugada de 19 de agosto do ano passado, o único jornal brasileiro a publicar a importante notícia -vale lembrar, ignorada pela Folha - do golpe contra Mikhael Gorbatchev.

Foi o bastante para que no dia seguinte o "JB", que já foi o jornal diário de maior influência entre as elites do país, publicasse um anúncio de página inteira negando que "O Globo" tivesse noticiado o golpe com exclusividade. O título do anúncio tinha evidente veneno: "Depois da edição colorida de 'O Globo' de ontem, o 'Jornal do Brasil' de hoje pulica a verdade. Preto no branco."
O texto dizia ainda que o "JB" também tinha noticiado "a queda" de Gorbatchev no mesmo dia, e não apenas na primeira página, como "O Globo" fizera.

Um dia depois, foi a vez de "O Globo" vir com uma réplica, também em página inteira: "O dia que o "Jornal do Brasil" ficou vermelho de vergonha", dizia o título. O texto acusava o "JB" de omitir justamente o mais importante: que havia ocorrido um golpe de Estado.

"O Globo" acusava o adversário de ter engolido "a versão dos golpistas", segundo a qual Gorbatchev não fora forçado, mas saíra do poder por "problemas de saúde". Depois disso, houve ainda tréplicas de ambas as partes reafirmando os ataques anteriores.

Mas por que razões brigam agora dois grandes jornais do Rio (há um terceiro, "O Dia", que já ultrapassou o "JB" e começa a chegar bem perto de "O Globo")? Para além da polêmica em torno da notícia sobre o golpe, importa entender que ainda hoje deve ser duro para a direção do aristocrático "JB" observar passivamente as exibições de exuberância econômica do concorrente, oriundo de tradição muito menos protocolar.
Malgrado os esforços de equipes sucessivas, o jornal centenário parece presa de um estilo jornalístico agradável mas empoeirado, de dívidas tão grandes que impedem a menos reação.
Interessa ao "JB" (cerca de 140 mil exemplares vendidos nos dias de semana; 215 mil aos domingos) ao menos fazer pose para polemizar com o rival, hoje muito mais forte (cerca de 270 mil exemplares vendidos nos dias de semana; 528 mil aos domingos).

Por outras razões, a polêmica também agrada a "O Globo", que vive um paradoxo: tem grande sucesso de vendas, mas também tem razões para se preocupar com a imagem. Pesquisa publicada na revista "Imprensa" de julho do ano passado apontava o jornal de Roberto Marinho como o de menor credibilidade, o menos imparcial e isento, o menos independente, o menos democrático e aberto a opiniões divergentes e o menos combativo e oposicionista entre os quatro grandes jornais de prestígio (Folha, "Estado", "JB" e "O Globo").

Décadas de alinhamento automático com os governos não poderiam senão comprometer a imagem de qualquer jornal. Coincidindo com o período de aproximação entre o governo Collor e Leonel Brizola, inimigo de Marinho, tem entretanto havido um esforço jornalístico para mostrar que "O Globo" também pode ser independente do Palácio do Planalto, que agora o jornal se vale da importância intrínseca das notícias como critério exclusivo a orientar suas edições.

Daí a jactância em relação à publicação da notícia do golpe contra Gorbatchev. Vem daí também a inédita agressividade -aliás, típica das campanhas publicitárias da Folha contra "O Estado" - na polêmica "jornalística" com o "JB".

O mesmo fenômeno ajuda ainda a explicar uma nota mais-humorada contra mim publicada em "O Globo" da última segunda-feira. A nota me criticava por creditar à Folha a publicação da pista que levou à descoberta do caso de plágio dos textos de José Guilherme Merquior pelo presidente Collor.

O furo sobre o plágio cometido pelo presidente, notícia desfavorável ao Planalto, saiu em manchete na Folha, que tinha uma informação incompleta. No mesmo dia, "O Globo" publicava pequena nota numa coluna social. Corroborando mais uma das inúmeras versões oficiais que tanto prejudicam a imagem do jornal, a nota dizia que o presidente usara os textos de Merquior apenas como "fonte inspiradora".
A recaída indica que, apesar dos louváveis esforços mais recentes, ainda serão necessários muitos governos e outras tantas eleições para demonstrar que "O Globo" deixou de ser comandado segundo cacoetes oficialescos criados pelas conveniências do império econômico formado À sua volta e passou a ter critérios mais jornalísticos a servir como, aí sim, "fonte inspiradora".

ALTA E BAIXA

BAIXA para a Folha, por não cumprir a promessa - feita em títulos na primeira página por várias edições seguidas- de publicações do "Guia do Aluguel". O guia circulou domingo passado, mas apenas para a Grande São Paulo. Leitores do interior de São Paulo e de outros Estados ficaram a ver navios.

Baixa para o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, por abrir processo judicial - mais um - contra jornalistas da Folha, Alon Feuerwerker e Ricardo Anderáos, os quais exercem a profissão sem serem jornalistas diplimados. O sindicato também move ação contra o jornal pela publicação do roteiro grátis de ofertas de empregos nas edições de domingo. A iniciativa da entidade, cuja diretoria é ligada ao PT, equivale a uma defesa dos interessantes de "O Estado de S. Paulo", cuja circulação aos domingos tem sido crescentemente afetada pela publicação dos roteiros da Folha.


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