Folha de S. Paulo


Tiroteio entre as revistas

Uma nota na seção "Radar" da revista "Veja" deu início ao bafafá. Dizia a nota, publicada na edição de "Veja" que foi para as bancas há quinze dias, que o deputado estadual Lucas Buzato, do PT de São Paulo, está pedindo ao governo Fleury explicações sobre os patrocínios do Banespa à revista "IstoÉ Senhor".

Ainda segundo a notícia publicada na "Veja", o banco teria gasto neste ano US$ 1,8 milhão para financiar encartes especiais da "IstoÉ Senhor" sobre o novo Congresso, além de mais US$ 3 milhões para uma série sobre os 110 anos da industrialização de São Paulo. As quantias destinadas à revista superariam a verba que o Banespa gastou com publicidade em todos os jornais somados durante o ano, bem como a tudo que foi veiculado pelo banco oficial nas rádios.

A nota terminava com uma acusação séria de Buzato à revista: "Fleury injeta uma fortuna numa revista que só elogia o seu governo, esconde as denúncias contra os auxiliares de Quércia e o ajuda na campanha à Presidência". O título da nota da "Veja" endossava a investida do deputado do PT: "Buzato contra a mídia quercista".

O troco veio na edição de "IstoÉ Senhor" que foi para as bancas no fim de semana passado. Na capa, uma tarja fustigava: "Edital Telerj - Tudo montado para a Editora Abril ganhar". Dentro, a revista dedicou um editorial-resposta com o título "Papai Noel da Listel - O Ministério da Infraestrutura e a Telerj arrumam uma mutreta com a editora Abril para presenteá-la com um negócio de US$ 1 bi".

O editorial procurava amparar-se em um furo de reportagem de Janio de Freitas, que apontara em sua coluna na Folha irregularidades ocorridas em edital de concorrência milionária para produção de listas telefônicas no Rio. Segundo o jornalista, as regras do edital -montado pela Telerj e a Secretaria de Comunicações do governo Collor-teriam vícios que acabariam beneficiando apenas uma empresa concorrente, a Listel.

O texto de Janio de Freitas na Folha procurava desnudar irregularidades administrativas de uma empresa pública, a Telerj. Ele não fazia ligações entre a eventual beneficiária dessas irregularidades, a Listel, e a Editora Abril, que é proprietária tanto da revista "Veja" quanto da Listel.

O que Janio não fez, "IstoÉ Senhor" fez. Em seu editorial, a revista rebate o epíteto "mídia quercista", que "Veja" lhe pespegou, acusando a concorrente se ser ela própria uma "mídia colorida", por ter recebido no decorrer deste ano "50,5 páginas de publicidade governista".

Destemperos à parte, uma observação independente forçará a constatação de que são raríssimos os casos em que se pode observar uma linha de crítica de "IstoÉ Senhor"

Ao ex-governador Orestes Quércia ou ao seu sucessor, o governador Fleury. Salvo engano, por exemplo, "IstoÉ Senhor" não se manifestou sobre o recente noticiário a respeito do crescimento do patrocínio do governador, que mereceu atenção de boa parte da mídia.

O mesmo, entretanto, não pode ser dito de "Veja" em relação ao governo Collor. Basta lembrar de sua edição sobre a "República das Alagoas" ou de uma reportagem sobre as compras da primeira-dama em recente viagem a Roma.

A existência de vínculos entre empresas jornalísticas e empresas que dependam do governo, como é o caso das concessões de listas telefônicas, constitui uma ameaça latente à independência das publicações. Tanto no caso da Listel-Abril, como no da OESP Gráfica-"O Estado de S.Paulo", esse elo de ligação com o governo acaba de uma forma ou de outra fazendo sombra a todo o esforço da autonomia editorial realizado pelos jornalistas e deveria ser definitivamente cortado.


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