Folha de S. Paulo


De nádegas presas com o leitor

O que fazer diante de um jornal que publica uma foto colorida em cinco colunas, bem no alto da capa de seu suplemento de variedades, mostrando um senhor de cabelos brancos, de quatro, com a saia levantada até as costas, a calcinha arriada até as coxas, esfregando as nádegas expostas contra as nádegas de um outro homem na mesma posição?

Foi diante desse dilema que os leitores da Folha se viram postos ao receber o exemplar do jornal na manhã do dia 31 de outubro, como disse uma leitora, "com a família reunida, em pleno café da manhã". A capa do caderno Ilustrada mostrava o diretor e ator José Celso Martinez Correa, roupa de mulher mas relógio de homem, um curativo na coxa esquerda cabeluda, imprensando sua bunda contra a bunda de um outro ator, não-identificável na cena captada pelo fotógrafo Paulo Glandalia.

Nenhum leitor telefonou ou escreveu para manifestar apoio. Os que me procuraram estavam sempre indignados. "É uma vergonha um jornal que eu até ontem reputava como sério e responsável se prestar a uma nojeira tão grande... o desrespeito à família, à moral e ao pudor chegaram a extremo... espero que a arte seja usada e divulgada de forma benéfica e construtiva e que o leitor, sua família e seus empregados sejam respeitados", escreveu uma senhora dos Jardins, assinante há 35 anos.

Uma funcionária pública de 65 anos, moradora de Perdizes, ameaçou cancelar a assinatura: "Já não basta esse descalabro de saber que nossos ministros andam passado a mão nas pernas uns dos outros? Eu me senti envergonhada perante meus netos, meu marido, meu genro".

Um outro leitor ligou duas vezes. A primeira para registrar protesto pela publicação da foto. A segunda para repudiar uma nova publicação da mesma cena, ocorrida sexta-feira passada, dessa vez no Painel do Leitor, e ainda por cima acompanhando a informação de que recebera 11 manifestações de leitores contrários à foto na Ilustrada. O jornal registrava a indignação de alguns leitores com a foto, mas assim mesmo voltava a publicá-la, numa atitude de aberto desafio pelas opiniões deles.

É chover no molhada que a intenção da Folha é, mesmo, a de chocar, criar celeuma, empurrar seus leitores a esse contato com a ambiguidade. O jornal busca alargar ainda mais os limites tão amplos da proverbial permissividade presente na sociedade brasileira.

Em 14 de outubro passado, dia seguinte à chegada do papa ao Brasil, os jornais publicaram grandes fotos do sumo pontífice em suas capas. Menos a Folha, que saiu com uma foto grande e colorida da atriz Andrea Beltrão, nua, nádegas à mostra, entrando no "Poço do Diabo" durante as gravações de uma novela em Lençois (BA). Ao lado, o papa, em preto e branco, uma foto pequena, beijando o solo brasileiro.

Parece-me claro que a edição das nádegas de Andrea al lado do papa e de José Celso visam mesmo chocar. O curioso é que a Folha tem dado voz a quem questiona as contradições dessa época em que vive o Brasil. Caracterizada pela ausência de referenciais mais exigentes não apenas no terreno dos costumes, mas também no terreno da moral e da cultura. Ocorre que o que está em jogo aqui não é o que é bom ou ruim em geral ou qual atitude mais correta para um jornal ou uma sociedade em termos de padrões morais.

O que está em questão é a imagem pública de um produto. No fundo, é isso que fazer os editores de jornais. Através das várias formas do jornalismo, eles administram a feição ideológica e mercadológica de suas publicações, regulando a atitude delas frente a um código de valores que estabelece aquilo que é socialmente aceitável ou não.

A Folha considera essencial em termos mercadológicos essa imagem revolucionária, irreverente, um pouco indecente no campo cultural e moral, mesmo que para isso corra o rIsco de escândalo ou tenha que provocar repulsa numa parcela de leitores. É assim, chocando, que ela mais se diferencia em relação a seus concorrentes. Para o jornal, é melhor até que mais reclamem. Melhor ainda se forem pessoas de idade. Isso define melhor seu público, até por oposição. E não há nada que os jornais paulistas nessa luta encarniçada sonhem mais do que a conquista de uma imagem jovial. Custe o que custar.

ALTA E BAIXA

BAIXA para a Folha, que tem dado pouco atenção e destaque à polêmica que cerca o reajuste dos aposentados.

BAIXA para "O Estado de S. Paulo", que aproveitou sua reformulação gráfica para, sem qualquer explicação, retirar da primeira página a informação sobre a tiragem do jornal, que tem caído. Ela agora sai escondida, publicada no pé do índice da página 2.

BAIXA para a Folha e para "O Estado de S. Paulo", cujas colunas de cartas dos leitores foram ocupadas na semana que passou quase exclusivamente por mensagens de elogios. Na Folha pelo prêmio Maria Moors Cabot. No concorrente, pela recente reformulação.

BAIXA para "O Estado de S. Paulo", que tem investido de forma notável na imagem do governador Luiz Antônio Fleury. Peemedebista e aliado do ex-governador Quércia, Fleury ganhou manchete e foto em mais de três colunas na edição de quarta-feira passada. Assunto? Um acordo, que nem mesmo se concretizou, entre o governador paulista e seu colega amazonense sobre incentivos para a Zona Franca de Manaus.

BAIXA para a Folha que deu manchete em caixa alta para a explosão do dólar e escondeu o assunto quando a moeda norte-americana despencou, depois que os especuladores completaram suas operações.


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