Folha de S. Paulo


Hiperdesinformação

A Folha fracassou na cobertura da convulsão econômica que atingiu o país no início da semana que passou. O jornal deixou-se levar pela onda de especulações e boatos que se seguiu à repentina elevação da taxa de juros e ao anúncio, na segunda-feira, de que o Banco Central deixava de operar nos mercados do ouro e do dólar.

A decisão do governo deixou campo aberto aos especuladores. Em meio a boatos de novo choque econômico, de falência nacional cambial do país, de demissão do ministro da economia, o dólar no paralelo saltou de Cr$ 740,00 para Cr$ 1.100,00 em menos de 48 horas.

Na terça-feira, refletindo os acontecimentos surpreendentes do dia anterior, a manchete da Folha era só perplexidade: "Disparam juros e o dólar no black".

Nesse dia, ao invés de arrefecer, o nervosismo do mercado se espalhou. O dólar atingiu o pico. Houve um festival de boatos. Falava-se que o governo apostava na híper para criar então o ambiente propício a um entendimento capaz de resolver o próprio surto inflacionário.

O jornal procurava fazer o que já virou sua marca nesses instantes de crise aguda: ir mais além, se adiantar aos concorrentes, mostrar dos desdobramentos possíveis da crise.

A manchete da quarta-feira, toda em letras maiúsculas, superava em destaque o logotipo do jornal, imprimia a marca da convicção ao que era apenas prognóstico: "DÓLAR A MIL APONTA HÍPER". O enunciado era brilhante. Sintético, transmitia sensação de velocidade. Seria histórico se não fosse inteiramente equivocado.

O editorial acompanhava na mesma balada: "À beira do colapso", dizia o título. Dentro do jornal, todas as páginas dedicadas ao assunto começavam com o sobretítulo: "Rumo à híper".

O texto principal enfatizava a hipótese de que o governo aderira ao salve-se quem puder, acreditando que depois da destruição a estabilização venha rapidamente. De quebra, o jornal publicava reportagens sobre a hiperinflação alemã de 1923.

Recomendava ainda aos leitores que tivessem dólares que procurassem não vende-los mesmo com o preço de Cr$ 1.000,00. Isto é, o jornal previa que o dólar continuaria a subir.

Como se viu nos dias posteriores, o descontrole hiperinflacionário não chegou dessa vez. Ao contrário, o dólar despencou, para chegar ontem a Cr$ 830,00. Não houve choque. Autoridades da área econômica, antes ameaçadas de destituição iminente, eram elogiadas por sua serenidade na crise.

A Folha, cujos editoriais antes previam o descontrole total, na sexta-feira passou a adotar atitude bem mais cautelosa: "Seria prematuro, de todo modo, insistir em especulações sobre as possibilidades da opção oficial", dizia o editorial.

O secretário de Redação da Folha Leão Serva defende o tom da cobertura do jornal. Para ele a Folha se apoia na opinião de vários economistas, dentre eles o ex-ministro Mario Henrique Simonsen, para quem o Brasil vive uma situação de pânico, um processo de "hiperinflação fechada". Serva acrescenta que entre outras coisas a hiperinflação é também uma sensação psicológica, que estava acontecendo naquele momento.

É fora de dúvida que o nervosismo acumulado há semanas, especialmente por parte dos empresários, atingiu níveis explosivos nos últimos dias. Muitos desses empresários, pressionados pelos juros altos, previam um choque, alguns até torciam por ele. A Folha parece ter se deixado contaminar por essas expectativas.

É fato que após a segunda-feira passada alguns economistas anunciaram o descontrole total, talvez até a maioria deles secretamente fizesse essa previsão. Mas, como se viu, os que assim pensavam estavam enganados.

O descontrole pode mesmo ter sido iminente, mas o país não naufragou, apesar de o maior e mais conceituado diário do Brasil noticiar que isso estava acontecendo naquele momento.

É notável que não se tenha visto de nenhum dos colunistas do jornal, de nenhum dos seus analistas econômicos, uma palavra tranquilizadora que se diferenciasse da toada alarmista que dominou o noticiário.

Exercer o jornalismo agressivo e independente implica riscos muito maiores do que os dos que se limitam a um cômodo acompanhamento dos fatos já consolidados. A marca da Folha é essa vibração antecipatória. Mantê-la implica maior serenidade e sofisticação de sua análise da situação econômica. Do contrário, o jornal pode noticiar a hiper que não houve e se atrasar na hora que a verdadeira vier. Se vier.

ALTA E BAIXA

ALTA para o "O Globo", que revelou o caso da licitação para compra de fardamento militar para o Ministério do Exército a preços excessivamente altos. O jornal se esforça para sair da última colocação nos quesitos independência e credibilidade como registrou recente pesquisa publicada na revista "Imprensa".

BAIXA para a Folha, que publicou no domingo passado junto a uma reportagem sobre "ricardonas" - mulheres que tomam a iniciativa na paquera aos homens - foto do bar Supremo, em SP, tirada em situação não-relacionada `reportagem. Uma mulher mostrada na foto reclama que o jornal indiretamente a acusou de ser "ricardona"e que tem sido prejudicada por isso.

BAIXA para a Folha, que em reportagem sobre o tema drogas na prova de redação do vestibular atribuiu a um estudante que fez declaração descompromissada sobre o assunto, o epíteto de defensor radical da maconha.

BAIXA para "O Estado de S. Paulo", cuja nova apresentação gráfica consegue ser mais fria que velha. As colunas mais largas nas capas de caderno e os títulos menores nos altos das página tornam a leitura menos imediata, mais introspectiva e menos jornalística.


Endereço da página: