Folha de S. Paulo


O atraso da ofensiva

Nas últimas duas semanas, o país tem sido agitado por um debate confuso e violento. O que se discute na questão Usiminas, mais do que o futuro da empresa em si, é o tipo de alternativa a que o Brasil vai se agarrar para tentar sair da crise.

Deve o país manter o modelo econômico nacional-estatizante vigente até aqui ou é melhor optar por uma saída mais ligada às empresas privadas, a uma associação maior com o capital estrangeiro?

Quem disser que tem certezas definitivas a respeito, sequer precisa ler jornais. Mas há quem veja a coisa de forma diferente. Muitos dos que de¬fendem uma presença forte do Estado na economia devem ter sinceras dúvidas depois dos fracassos do socialismo real. Os privatistas idem, após tantas tentativas salvadoras arruinadas no governo Collor.
Em situações tão radicalmente polarizadas como essas é que a sociedade, em especial as elites políticas, sindicais, empresa¬riais, espera dos jornais um serviço informativo o mais isento e objetivo possível.

Cada um quer que seu jornal o ajude a pesar prós e contras de cada alternativa, que o choque dos argumentos e dos fatos de cada lado seja exposto de forma a que pela depuração de verdades opostas se chegue a um resíduo de convicção. Se não for para cumprir esse papel nessas horas, que importância realmente fundamental tem a imprensa?

A Folha não foi um jornal atento na cobertura sobre a privatização da Usiminas. Ela sintonizou o assunto tarde. Nos dias que antecederam o leilão, a questão estava relegada à vala comum em que são atiradas tantas coberturas na rotina dos jornais.

No dia do leilão, a Folha foi quem menos espaço noticioso dedicou ao tema, mas as cenas do conflito diante da Bolsa do Rio contribuíram para acordar o jornal. Como faz em todas as coberturas mais importantes, a Folha cunhou um título geral: "Ofensiva do atraso".

Daí em diante, o esforço em recuperar terreno passou a ser prejudicado por enviesamentos. Primeiro, a Folha foi ouvir opiniões de lideranças sobre o conflito. Mas só escutou empresários favoráveis à privatização, que só podiam criticar os mani-festantes, como efetivamente criticaram.

Em seguida, a Folha reviveu um esquema de "denúncias" muito em moda nas campanhas nacionalistas que agitaram o Brasil nos anos 50 e 60. Primei¬ro se acusa, sem provar, os encarregados do programa de privatizações de fazerem acertos na surdina. Depois se diz que esses acertos foram feitos para beneficiar empresas multinacionais.

A Folha também tentou ouvir os trabalhadores da usina de Ipatinga. Basta, porém, ler a sequência dos títulos em várias edições para verificar como o noticiário abraçou distorções, numa gradação que caminhou da torcida de tom estatizante ao ufanismo privatista (veja quadro acima).

Não existe uma fronteira clara que permita fácil e rápida distinção entre jornalismo e contrabando ideologizante. Acresce que toda organização jornalística e seus funcionários têm preferências que tendem, de uma forma ou de outra, a aflorar no noticiário, seja pela pressão das convicções, seja pela falta de um sistema hábil de vigilância e contrapesos para reconhecer e anular as distorções.

A Folha dispõe de um tal sistema, o qual, dessa vez foi facilmente ludibriado.

ALTA E BAIXA

BAIXA para Brasil da Folha, que achou por bem fazer graça com o vendaval que deixou 15 mortos e mais de uma centena de feridos na região de Itu, no interior de São Paulo. O jornal chamou o vendaval de "Brisa de Itu" numa alusão à fama de exageros da cidade.

BAIXA para revista "Imprensa", que apresenta com estardalhaço no número de setembro reportagem de capa com um documento reservado das Forças Armadas sobre as alternativas nacionais para esta década. Entusiasmados, os responsáveis pela publicação escrevem no editorial que o tal estudo estava sendo divulgado pela primeira vez: "Jornalista tem que dar furo", pontificaram. Só que um ano e meio antes o repórter Ricardo Arnt, da Folha, divulgara o teor do documento, que já foi debatido no programa de Jô Soares e é assunto de tese de mestrado.
(Veja Folha, 29 de maio de 1990. pág. A-4).

ALTA para a Folha, o único dos grandes jornais brasileiros que tem noticiado sem amortecer a crise de poder que cada vez mais amarra o governo Collor e já anima o próprio vice-presidente da República a passar para a oposição.

BAIXA para os grandes jornais japoneses, que não noticiaram a enxurrada de telefones e fac-símiles emitidos por membros da seita religiosa Kofuku no Kagaku (Instituto para Pesquisa sobre a Alegria Humana) para a revista "Friday". A revista noticiou que o líder da seita, considerado uma espécie de Buda vivo, já sofrera de depressão. Os seguidores da Kagaku se vingaram monopolizando por cinco dias e noites as 295 linhas de telefone e 94 linhas de fac-símile da revista, interrompendo totalmente suas comunicações. Adivinhe por¬que os jornais não noticiaram.


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