Folha de S. Paulo


Manifesto de um novo ombudsman

O poder absoluto e unilateral da imprensa está em xeque. Após longas décadas de um solene distanciamento em relação aos leitores, de um autoritarismo sutil baseado na tradição, naquilo que é assim porque sempre foi assim, aparecem as primeiras fissuras na rocha compacta dos grandes jornais brasileiros.

Nestes espaços penetram as opiniões, os direitos, as exigências de qualidade impostas por um número sempre crescente de leitores.

A sucessão de Caio Túlio Costa, no prazo acertado e de acordo com as condições previamente contratadas, consolida a transformação do cargo de ombudsman em instituição.

Se a criação do posto foi uma inciativa de marketing, como acabam sendo entendidas tantas atitudes do jornal, importa mais perceber que com ela surge a oportunidade para transformar a Folha em presa da própria criação.

Qual é a lei imutável que diz que a mídia tem o direito de escarafunchar toda instituição ou qualquer indivíduo e não possa ela mesma ter suas entranhas e seus erros expostos aos debate público? A informação exata, clara, justa, equilibrada, inclusive sobre a mídia, não é um privilégio da sociedade. É condição essencial para que esta possa existir, se entender, se identificar, decidir seus rumos, para que exista o cidadão.

Num país em que a prepotência impregna tão profundamente o cotidiano de cada um, é inevitável que a atividade de um ouvidor das reclamações do leitor pareça mesmo coisa de quixote.

Como é possível que um profissional solitário, por melhores que sejam suas intenções, recolhendo reclamações no varejo consiga alterar alguma coisa importante de uma estrutura que erra e deturpa em grande quantidade e qualidade e, o que é pior resiste a admiti-lo?

É possível, porém, que a existência de instituições como a do ombudsman ou a aprovação do novo Código de Defesa do Consumidor expressem uma tênue resistência da sociedade, que teima em não ceder à bagunça desbragada e à degradação radical dos padrões de qualidade de vida e de relacionamento social. Pode ser que alguma mudança rela, lenta, cheia de avanços e recuos, esteja se esboçando num sedimento mais profundo e que algum progresso acabe afinal acontecendo.

Mas pode ser que não. Isso só vai ser visto se o cidadão exigir uma nova maneira de relacionamento com os serviços de que se serve, com o poder. Isso implica outra mentalidade: importa valorizar a ação de cada um, a crença de que uma atitude, mesmo que aparentemente inócua, também é importante e pode fazer uma diferença.

Dessa forma, será bem-sucedido o ombudsman que em algum grau relevante conseguir realizar quatro compromissos sagrados: aumentar a precisão, confiabilidade e responsabilidade do jornal; incrementar sua credibilidade; elevar sua qualidade e alertá-la para as preocupações da comunidade.

Pode ser que a essa altura o leitor conclua que este é mais um ombudsman idealista. Mas será se algum outro tipo toparia essa empreitada?

A foto acima, publicada na Folha quarta-feira passada, mostra protesto contra a venda da Usiminas. A legenda diz que foi no Rio, mas a placa ao fundo denuncia o erro: o protesto foi diante da Bolsa de São Paulo. Erros como esse, título engraçados, gafes evidentes ou ridículas serão temas da seção "A Média da Mídia". Recorte jornal ou revista e envie ao ombudsman.


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