Folha de S. Paulo


Após eleição, esquerda vive o Apocalipse e direita, a Restauração

Os que acham que os resultados do domingo beneficiarão beltrano ou sicrano nas próximas eleições deveriam consultar quem sabe tudo sobre previsões: Eduardo Campos. Ele era um candidato fortíssimo ao Planalto até tomar aquele malsinado jatinho para Santos.

Prever a política é fazer política. É projetar a vitória presente no futuro, decretar que o tempo se congele e 2018 será semelhante a 2016. Além de desprezar o imponderável, é negar a matéria mesma da política, a possibilidade de mudar os dias de hoje e os que virão.

Na hora alta do PT, há menos de dois anos, não faltou quem previsse que o partido ficaria mais três mandatos no poder. A profecia, funesta para os tucanos, fez com que eles sustentassem que a presidente era ilegítima, e em seguida agissem para destroná-la. A resposta à derrota pode moldar o futuro mais do que a vitória.

O Brasil não está condenado a ser Pindamonhangaba –onde, aliás, Alckmin foi duplamente derrotado no domingo: o candidato tucano e uma sobrinha do governador perderam a prefeitura para um candidato apoiado, entre outros, pelo PC do B.

Os homens fazem a sua história, diz a sentença outrora célebre, mas não a fazem segundo a sua livre vontade, não a fazem em circunstâncias da sua escolha, e sim naquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.

As circunstâncias com as quais nos defrontamos estão marcadas pelo tropel dos quatro cavaleiros do apocalipse. O primeiro deles derrubou Dilma no laço. O segundo atropelou a esquerda eleitoralmente. O prestes a relinchar inviabilizará os investimentos por duas décadas. O quarto cavaleiro mandará a idade da aposentadoria para as calendas.

Para a direita, os quatro cavaleiros anunciam não o final dos tempos, mas a Restauração. Imposto até o fim, seu programa empurrará a nação 30 anos para trás, invalidará o que foi feito para os pobres a partir de 1988. Para quem já vem levando no lombo, o sacrifício vale a pena porque o Brasil ficará um brinco.

Virá gente de fora para ver as contas públicas; a jornada de 12 horas; o macro-entusiasmo dos rentistas; a eficácia do micro-Estado; septuagenários gramando na roça sem essa moleza de aposentadoria; os mortadelas, por definição preguiçosos e corruptos, devidamente enjaulados. Seremos uma grande empresa –com patrão eleito, uma seleta casta de parlamentares e uma massa de funcionários comemorando a conciliação.

Para a esquerda, a paisagem é ainda pior. Ela não tem projeto, nem método, nem liderança; e o passado recente lhe oprime o cérebro como um pesadelo. Meia dúzia de prefeituras, de Araraquara a Rio Branco, não configura um ponto de apoio capaz de impulsioná-la.

O PSOL, caso venha a eleger Marcelo Freixo prefeito do Rio no segundo turno, parece acanhado diante das tarefas práticas e teóricas que o aguardam. Mas ele é, de fato, das poucas coisas que restaram da ruína da esquerda. Quanto ao PT, ele precisa provar que está vivo e é capaz de reagir.

Poderá começar a fazer isso nesta quarta, quando a sua direção nacional se reunirá. Se o partido se colocar, mais uma vez, na exclusiva condição de vítima, dificilmente conseguirá fazer frente aos dias difíceis que virão.

Se reconhecer lisamente que o segundo mandato de Dilma foi uma catástrofe, e começar a debater porque isso aconteceu, terá alguma chance de ser ouvido e, quem sabe, de voltar a servir de instrumento aos desvalidos.


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