Folha de S. Paulo


Léxico da política empoderada

Agenda positiva: Adiamento definitivo de tarefas inadiáveis desde o século 18.

Agronegócio: Capitalismo extrativista vigente em Goiás e adjacências. Cf. A vocação do Brasil é a agricultura.

Avenida Paulista: Via de lazer, protesto e camelotagem, afazeres que congestionam o assalto ao poder.

Blindagem espiritual: Pai Isaac faz amarração total com búzios e cabala. Pagamento depois dos resultados.

Brado retumbante: "Não mandam nessa nega aqui", apud Tia Eron.

Brado vintage: "Ordem e progresso", apud Augusto Comte. Cf. "lábaro que ostentas estrelado" + "não fale em crise, trabalhe".

Coletivo: Divisão em nichos, tribalização. P. ex. Coletivo de Chefs de Guaianases; Coletivo de Evangélicos Trans; Coletivo de Taxistas Contra Maluf.

CPF na nota: Não precisa, o Alckmin fez com que esse bagulho virasse uma merreca.

Curadoria: Aparelhar o trabalho alheio. Do curador de um debate sobre sinuca ao de um torneio de mesóclises, passando pela curadoria da agenda do chefe, qualquer um pode ser Nelson Motta, curador do Festival Sonoridades.

Condução coercitiva: Ir de busão do gueto ao trampo e vice-versa.

Da hora: Sem futuro. P. ex. "O Brasil é da hora".

Democracia: "O voto é a arma do cidadão; e o cassetete é o voto do governo", apud Millôr Fernandes (ao ler Adorno).

Desigualdade de gêneros: Os manos exploram as minas, apropriando-se de seus corpos. Seu fundamento é a força.

Desigualdade social: Uma classe explora outra, apropriando-se do seu trabalho. Sua força é a ideologia.

Dia de outono. "Quem não tem teto não mais o terá. Quem só está sozinha ficará. Irá ler, velar, longos e-mails escrever e pedalará sem paz entre folhas mortas", apud Rilke, transcriado para o inverno de Dilma.

Empoderamento: Corrente feminista inspirada em Madame de Pompadour, empoderada por Luís 15. Daí a ponderação machista que atrás de toda poderosa despudorada há um imponderado.

Empreendedorismo: Faina de um desempregado para se tornar patrão e proletário de si mesmo, passando a desfrutar da insegurança da remuneração imprevisível.

Food Truck: Carrinho de cachorro-quente ou pipoca empoderado pelo hipster-empreendedorismo.

Gourmetização: Botar trufas no miojo; empoderar lixo com luxo.

Job: Trabalho sazonal da aristocracia do precariado; bico; frila.

Lei Antiterrorismo: Cassetete jurídico para baixar no lombo da galera sem teto nem terra, black bloc, pussy riot e similares.

Leviandade: Falar das tramoias de Temer, Aécio, Renan, Neymar, Sarney etc. Sinônimos: ignomínia; não vamos prejulgar.

Michelzinho: "Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste! Criança, não verás nenhum país [ou pai] como este!", apud Olavo Bilac.

Mimimi: Onomatopeia do ruído emitido por petistas quando do recrudescimento da luta de classes.

Mout: Acrônimo de Military Operations in Urban Terrain, táticas bélicas boladas pelo Pentágono para enfrentar rebeliões em metrópoles. Estará em ponto de bala na Olimpíada. Cf. Bope, UPP, Força Nacional.

Nova Direita: Dar com o ponto de exclamação na testa dessa gente! Espancar mortadelas com vulgaridades e baixarias. Pregar pogroms de todos os corruptos, desde que petistas.

Nova Esquerda: Papa Francisco.

Per ardua ad astra: O Brasil se preparou cinco séculos para Temer.

Ponte para o futuro: Pinguela para o passado. Cf. Marilena Chauí.

Perversão coxinha: Tatuar "Michel" numa nuca bela, recatada e do lar.

Precariado: Classe decorrente da falta de empreendedorismo do exército industrial de reserva.

Roberto Schwarz: "Bolsista" que "da vida prática não entende nada" e, "inerte diante das transformações do mundo", busca contê-las num "esquema teórico já perempto", o marxismo, apud "Diários da Presidência 1997-1998", de FHC. Antídoto: Arnaldo Jabor.

Semiparlamentarismo: Impedir que a maioria social vire maioria política.

Vazar: Ir-se como água a ser retida pela panela, que se faz necessária num protesto acústico. Jogada na pia, entra pelo cano.

Vergonha alheia: Sentimento de superioridade diante das asneiras de outrem; o cálido afeto que a afaga, leitora, ao ler esse léxico.

Zona de conforto: Propaganda de bancos.

Zona de desconforto: Atibaia, Astúrias, Maricá.


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