Folha de S. Paulo


Cunha e Collor são luxo só

O coração palpita e se agita mais ligeiro diante dos gastos de Fernando Collor e Eduardo Cunha. Registradas em documentos das encrencas jurídicas nas quais estão encalacrados, as suas despesas dão vontade de sambar ao som de João Gilberto: é luxo só. Como o zelo diuturno pelo bem da pátria é exaustivo, Cunha e sua senhora de olhos ofuscantes passaram o Réveillon de 2013 em Miami. Numa semana, detonaram R$ 84 mil. O salário do pio deputado era de R$ 18 mil.

Meses depois, a discreta Caroline Collor foi espairecer na Europa. Não é fácil ser cônjuge de um senador cujo denodo obsessivo é atenuar as agruras de seus conterrâneos das Alagoas. Levou R$ 45 mil em espécie, ofertados por um gentil intermediário de patranhas na Petrobras.

O ranço da nata nacional se faz presente na origem da fortuna que garante as exorbitâncias de Cunha e Collor. Mas é nos padrões de consumo que se constata como estão antenados com o último grito no circuito da riqueza, o do luxo.

A tendência tem fundamento na desindustrialização da Europa, em favor da sua terceirização para os países emergentes. A ferro e fogo, o preço da mão de obra na periferia é mantido num nível baixo, de modo a justificar a transferência de indústrias. Ali, igualmente, surgiu a classe dos feitores da produção barata.

Como os salários nos países ditos em desenvolvimento são miseráveis, a possibilidade de vender produtos a eles é exígua. Daí a necessidade de criar artigos para a casta dos feitores super-ricos. Assim surgiu e se perpetua a indústria do luxo, cujo ciclo une produção e consumo.

A indústria do luxo é responsável por 10% das exportações da França e da Itália. Os seus produtos dizem respeito a estilos de vida, e não à satisfação de necessidades. Ela faz roupas, bebidas, relógios, carros, joias, restaurantes, móveis, enfeites, perfumes, hotéis, helicópteros.

Apesar de construídos nos subúrbios do planeta, eles são turbinados no seu centro, que irradia modas. Uma legião de designers, chefs, estilistas, sommeliers, publicitários, baristas, decoradores e agentes de turismo lhes confere a aura de autenticidade que justifica o preço proibitivo.

Isso porque é o valor de troca, e não o de uso, que determina a sua exclusividade –eles são feitos para a elite internacional se exibir, e não para a plebe rude sobreviver. O conforto dos artefatos deu lugar à ostentação de grifes. Donde se entende que o casal Cunha seja freguês de Zegna, Ferragamo, Armani e Chanel, frequente Guy Savoy, Plaza Athénée e congêneres.

Collor cabe noutro esquema da indústria do luxo, aquele no qual os produtos são valorizados pela sua permanência no tempo. O ex-presidente tem 15 carros: Ferrari, Lamborghini e Bentley. Entre outros adereços franceses, é dono de duas poltronas Luís 16 (valor: R$ 135 mil), uma jarra de prata (R$ 30 mil) e uma luminária de Bouraine (R$ 126 mil).

Admita-se –por vinte segundos– que Collor e Cunha labutaram honradamente para poder comprar bugigangas onerosas. A sua sôfrega gastança seria então aplaudida. Porque ela expressa uma ânsia de luxo enraizada no modo como a economia globalizada se organiza.

O consumismo caro e desabrido condiz com valores que floresceram nas últimas décadas, das quais Cunha e Collor são expoentes políticos. Mudar a sociedade que os gerou é mais complicado que recolhê-los a Curitiba. Mas pode ser um começo.


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