Folha de S. Paulo


Patrimônios presidenciais

Ernesto Geisel deixou Brasília e sentou praça num apartamento de três quartos em Ipanema, na Rua Barão da Torre. À tarde, batia um sol de rachar no escritório. Ele tinha um sítio em Teresópolis, comprado antes de ser presidente e à altura dos ganhos de um general de pijama.

José Sarney foi morar num apartamento, em Brasília, que não diferia dos de outros senadores. Empresários ajudaram-no a pôr de pé em São Luís a Fundação José Sarney, que foi sancionada por sua filha Roseana quando ocupou o governo estadual. Ele teve um sítio em Brasília, o do Pericumã, e uma casa na ilha do Curupu, no Maranhão, que adquiriu enquanto fazia política, nos tempos pré-Planalto.

Fernando Collor deixou a Casa da Dinda, cuja reforma pró-cascatas foi paga com sobras da campanha eleitoral e da Presidência, geridas por PC Farias. Percorreu o mundo e se estabeleceu numa casa grande em Maceió. Retornou à Dinda, onde hoje estaciona seus Porsche, Bentley, Lamborghini e quetais. São bólidos de príncipe saudita, e não de senador alagoano, ainda que herdeiro oligárquico.

Fernando Henrique Cardoso saiu de um apartamento na Rua Maranhão, em Higienópolis, para outro a uma quadra, na Rio de Janeiro. O apê atual, amplo e classudo (nada de samambaias, como o anterior), foi decorado com capricho por Ruth Cardoso.

Ele trocou o escritório, no Bixiga, pelo instituto com o seu nome no Anhangabaú, onde ficava o Automóvel Clube. Ocupa um andar e tem mobiliário modernista. Quem o comprou foi um grupo de empreiteiras, reunidas por FHC com esse intuito num jantar no Palácio da Alvorada, quando ainda morava lá. A Odebrecht, cujo dono foi preso pela Lava Jato, ajudou a mantê-lo.

Luiz Inácio Lula da Silva continuou no apartamento em São Bernardo.

E montou no Ipiranga o Instituto Lula, uma construção labiríntica e lúgubre, mas funcional. Abandonou um sítio, à beira da Billings, e passou a frequentar outro maior, em Atibaia, de propriedade de sócios de um de seus filhos.

Sua mulher, Marisa, pagou prestações para ter um apartamento padrão na Praia das Astúrias, em Guarujá, bem longe da côte d'azur. Flertou com a ideia de adquirir um tríplex no mesmo prédio, mas desistiu quando a intenção ficou pública. O sítio de Atibaia foi reformado por um executivo (em férias) da Odebrecht. O apartamento nas Astúrias, pela OAS, cujo dono acompanhou Marisa e Lula numa visita ao tríplex.

Depois do Planalto, Sarney e Collor cuidaram mais de suas carreiras que de outra coisa. Já Fernando Henrique e Lula se consolidaram como os líderes políticos mais respeitáveis do Brasil.

Os seus institutos lhes servem de apêndice. O do tucano incentiva o afrouxamento das leis sobre o consumo de drogas; o do petista busca aproximar Brasil e África. Ambos organizam as bem remuneradas palestras de seus chefes.

No apartamento em Ipanema, Geisel só falava de política com quem conhecia. Lia Júlio Ribeiro ("A carne"), Aluísio Azevedo ("O mulato") e Trotsky ("Minha vida"). Topou me dar uma entrevista caso Collor tentasse agitar as Forças Armadas para evitar o impeachment. Não foi preciso.

Responsável último pela cadeia de comando que torturou e matou, o ditador teve fora do poder um comportamento mais republicano do que os democratas que o sucederam. Chato, não?


Endereço da página: