Folha de S. Paulo


Santo CEO quer feriados e risos

O CEO de uma das maiores multinacionais do planeta aproveitou a última reunião de Planejamento e Controle do ano, na segunda-feira passada, para fazer o anúncio. Disse a seus principais executivos que mudará o endomarketing da corporação, tido por sacrossanto há milênios.

Se não voltar ao seu core business –a alma–, a empresa corre o risco de seguir perdendo mercado para a concorrência. O diretor-presidente deixou claro que a quebra de paradigmas implicará no rearranjo do networking interno. Ele quer sinergia e qualidade total.

Os membros da Diretoria Executiva, que alavancaram seus postos à força de intrigas melífluas, de sombrios acobertamentos, de tapinhas e punhaladas nas costas, escutaram-no em silêncio contrito, quase hostil.

Não foram empoderados. Em vez do bônus de Natal, tiveram o insight: o turnover chegou à governança corporativa. Foi esse o benchmarking startado pelo papa Francisco diante da Cúria Romana, acoelhada na augusta Sala Clementina.

O sumo sacerdote usou uma imagem eclesiástico-aeronáutico-jornalística para marcar a reengenharia da abóbada vaticana. "Padres são como aviões", pontificou, "só chegam à primeira página quando caem".

Ainda que divertida, a frase projeta um downsizing: quem não performar será pego pelo passaralho. Com o mesmo humor funesto, o boss listou quinze males da Cúria.

Seus prelados, evangelizou Francisco, acham que são imunes e indispensáveis; formam facções rivais; empregam o "terrorismo das fofocas"; são carreiristas e oportunistas; se valem de calúnias para obter prestígio; almejam bens materiais em excesso.

O CEO da Santa Sé é ingênuo. Ou se faz de. As doenças que arrolou são o arroz com feijão de qualquer burocracia, das Casas Bahia ao Kremlin e à Cúria Romana. Porque todas elas são moldadas com a mesmíssima matéria-prima –o barro humano.

Precursor da autoajuda gerencial, Max Weber via virtudes na burocracia. É o caso da impessoalidade, da normatização lógica, da previsibilidade, da competência técnica, do assalariamento conforme o posto hierárquico.

Para Weber, a burocracia serve de alternativa ao poder dinástico ou divino, de raiz imaterial e ilegítimo. É melhor um gerente padrão, repetindo o que lhe disseram no MBA, do que um líder carismático e volúvel.

A burocracia só fica demoníaca quando encorpa e fala grosso, passando a cuidar mais de si mesma do que da clientela. Aí ela vira casta com interesses próprios. Vide a Fifa, vide o stalinismo, vide o consórcio PT-Petrobrás.

Com sua pregação natalina à nata do clero, Francisco demonstrou estar ciente dos problemas organizacionais da congregação. Talvez por isso tenha enfatizado as questões concretas e prementes, em detrimento das abstrações com que se comprazia o Fundador da holding.

Das quinze enfermidades da Cúria listadas pelo Vigário de Cristo, só duas não se referem ao chão da fábrica vaticana: os ministros da Igreja padecem de "alzheimer espiritual" e "esquizofrenia existencial".

O papa está em linha com o Criador num outro plano teológico, o da busca da graça. No lançamento da pedra fundamental da companhia, por exemplo, o Nazareno se permitiu um trocadilho infame: "Tu és Pedro, e sobre essa pedra edificarei minha Igreja".

Já o argentino, ao diagnosticar as doenças da Cúria, disse que ela deveria abandonar as "expressões funéreas". O papa se referia especificamente à sisudez do clero. Poderia ter repetido o mote que só as pessoas superficiais não se deixam levar pelas aparências.

Francisco reconheceu que a alta administração eclesiástica "trabalha demais". Como a sisudez está ligada a ganhar o pão com o suor do rosto, a sua mensagem de Natal cabe não só aos pastores, mas ao rebanho: sorrir mais e trabalhar menos.


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