Folha de S. Paulo


Caso não encerrado

É cedo, cedo demais, o sereno ainda cai e o dia nem amanheceu, para afirmar que um ou mais erros de pilotagem foram responsáveis pela tragédia do vôo 3054 da TAM.

Já ficou para trás, no entanto, o comecinho da noite sombria de 17 de julho, quando o choque do Airbus-A320, bem ao lado de Congonhas, provocou a morte de 199 pessoas.

As incógnitas das primeiras horas recomendavam cautela revigorada ao relacionar as hipóteses de causa do acidente. Hoje se sabe mais. Às favas com a cautela? Pelo contrário.

A Folha acelerou na quarta com a manchete "Caixa-preta indica erro do piloto". Uma "linha-fina", espécie de complemento sob o título, pisou no freio: "Gravações do Airbus da TAM sugerem falha de operação, mas erro do equipamento não é descartado".

O jornal informou que dados do avião mostram que o computador de bordo registrou problema com a alavanca de controle do motor direito.

A falha mais provável, como ocorreu em desastres semelhantes, seria do piloto, embora pane eletrônica possa ter comprometido o manejo correto dos instrumentos.

Considerei legítimo o "furo", confirmado horas depois em sessão da CPI do Apagão Aéreo. É de interesse público conhecer os motivos da tragédia. Nem que seja para se informar sobre a segurança do pouso em Congonhas. Com a boa reportagem, se soube mais do que se sabia antes.

O jornalismo em geral também não restringiu a divulgação da transcrição dos diálogos finais na cabine.

Mesmo que a Folha não tenha "condenado" o piloto -ignora-se qual dos dois estava no comando-, poderia ser mais precavida, conferindo ainda mais visibilidade à possível quebra de equipamento, como fez na quinta. Já na sexta falou em "conclusão inicial de falha humana". Ora, não há conclusão alguma.

Dos cem leitores que me procuraram até anteontem, 97 desaprovaram o jornal. Boa parte deles interpretou a manchete como uma sentença contra vítimas, os pilotos, que não podem se defender em meio a interesses como os da TAM, da Airbus e da Anac.

A Folha deveria considerar o alerta para calibrar o tom. A melhor atitude é encarar o caso como ele é: longe de estar encerrado, com tanta pergunta carente de resposta.


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