Folha de S. Paulo


Deixe leve

Encerro hoje, por um tempo cuja duração ninguém pode prever, o contato semanal com os leitores desta Folha. Sou grata por esses momentos estimulantes e desafiadores em que me esforcei para dar atenção a aspectos tão diversos da vida brasileira num mundo de grandes mudanças.

Busquei também incentivar a reflexão sobre um problema fundamental em nosso tempo: o atraso da política, sua dificuldade em abrir-se à democracia mais ampla que um mundo de conexões intensas e instantâneas possibilita e exige. Esse atraso causa prejuízo em todas as dimensões da vida, agrava a crise de valores e estreita as possibilidades da civilização.

O momento que o Brasil vive mostra isso. É triste ver o fisiologismo como moeda corrente na política. O governo anuncia que a troca de ministros dará mais tempo de propaganda eleitoral. Um candidato da oposição diz aos partidos que querem trocar de lado: "Suguem mais um pouco e depois venham". Nos Estados, as regras são as mesmas: cada um por si, vale-tudo e salve-se quem puder.

Valores e princípios, ideais e utopias? Ah, nostalgias de incorrigíveis sonhadores. Quando muito, podem ser usadas em falsas autocríticas para reanimar os crédulos de sempre a trazerem suas velhas bandeiras para mais uma eleição.

Mas o pragmatismo não vê a ampla mudança ocorrendo, especialmente entre os mais jovens, em todo o sistema de conhecimento e na identificação com novos paradigmas. A sociedade se move e cria o inusitado e inesperado. As grandes estruturas de dinheiro e de poder são ineficazes para conter um desejo de mudança que vem do coração das pessoas.

Quando a sociedade quer, cria as oportunidades e até faz surgir os personagens para assumir as decisões. Uma princesa assinou a lei que aboliu a escravidão, parlamentares antes acomodados criaram coragem para depor um presidente denunciado por corrupção, um sociólogo liderou a equipe que criou uma moeda nova e estável, um operário mostrou que a economia se fortalece com a inclusão social. Personagens distintos e o mesmo autor: o povo movido por um desejo intenso de mudar.

Com esperança de que a entrada do autor em cena produza um futuro melhor, despeço-me dos leitores, mas sem interromper um diálogo que almejo manter sempre e de diversas formas.

Acredito no poder das palavras. Mesmo gastas na repetição, podem unir-se à palavra nova –de novos sentidos e significados– e recuperar sua originalidade. Assim, rompemos o "círculo cínico" de negar o cumprimento da promessa e, como disse Hannah Arendt, criamos ilhas de segurança no mar de incertezas do futuro.

Compromisso, democracia, sustentabilidade. Preciosas palavras escrevi aqui neste espaço. Deixo-as com vocês e levo-as comigo.


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