Folha de S. Paulo


Casais que brigam são mais felizes

A melhor coisa que aprendi quando fiz terapia de casal foi brigar. A segunda foi fazer as pazes. Até o dia em que me vi sentadinha em frente a um profissional com a certeza de que estava ali apenas para que o fim tivesse testemunha e fosse lavrado em consultório, acreditava que nenhum casal que briga tem futuro.

Minha experiência mostrava que as discussões são um termômetro para mostrar falta de afinidade, de planos em comum, de amor e de paciência. Olho para trás hoje e vejo que algumas relações acabaram apenas por isso. Falta de amor? Não, saco cheio mesmo.

Nunca tive paciência para discutir. Sempre fugi de DRs como evito agora festas com mais de 20 pessoas. Não era para mim. Qualquer estranhamento servia para que eu escrevesse o mesmo roteiro para as histórias que vivia e isso abreviou relacionamentos que não dariam em nada mesmo. Era assim: tesão louco, paixão louca, amor louco, uma briguinha aqui, um dia sem se falar, mais duas briguinhas aqui, eu ficava doente de sofrer, fazia a drama queen, perdia três quilos, celebrava as pazes, amor louco, mais uma discussão e um dos dois cansava, mas não queria desistir do amor que não era amor coisa nenhuma.

Por que ele não atendeu o celular, porque eu não saio do celular, por que não avisei que ia chegar tarde, por que fiquei com ciúme de uma lambisgoia, por que ele se esqueceu no aniversário da minha prima de sétimo grau, por que trabalho demais, por que ficou louça na pia, por que não gosto de ficção científica – mesmo aquele que é do diretor fulano de tal que gravou em mil novecentos e guaraná com rolha o livro mais maravilhoso do universo, por que prefiro ter diarreia a visitar aqueles seus amigos metidos a descolados que racham a pizza quando nos convidam pra jantar, por que estou com sono, ele com fome, porque quero viajar e ele economizar, por que quero brincar de casinha e ele comer geral, por que ele quer casar e eu só queria passar o verão, por qualquer coisa.

O fim estava sempre à espreita. Eu já sabia de cor. Certa vez decorei uma frase de um filme para ficar mais dramático. Torci para que ele não errasse o roteiro. No meio da briga, lá vem ele e diz que me ama. Ahh, moleque. E eu me sentindo a própria Demi More em Sobre Ontem à Noite, solto no meio do choro: você não sabe o que é amor. Não sei como não ri. Mas ele não sabia mesmo. Fui convincente no meu pastelão.

Corta para a sessão salvadora de relacionamentos despedaçados. Casais brigam. Brigam porque querem ficar juntos. Discutem para que não cometam os mesmos erros. Tentam entender como podem ser pessoas melhores numa relação. Aprendem a abrir mão de certas coisas sem que se mutilem. Descobrem que a pessoa que mais te ama sabe os seus piores defeitos, que você pode ser mimado, insuportável, egoísta. Brigam para encontrar uma solução. E não para um se livrar do outro.

Uma pesquisa diz que casais que brigam são mais felizes. Duvido. Brigar machuca, desgasta, cansa. Felizes devem ser aqueles que conseguem fazer as pazes antes que as palavras firam, que os silêncios afastem, que a indiferença prevaleça. Pedir perdão foi uma das coisas mais difíceis que aprendi a fazer num relacionamento. Reconhecer que estou errada, que sou injusta, que me excedi, que magoei, talvez seja uma das maiores provas de amor que eu possa dar. A outra é tentar fazer diferente, agir de outra forma, para que as brigas não aconteçam mais. Pelo menos não as mesmas. Não com muita frequência. Só as que realmente valem a pena.


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