Talvez eu tivesse perdoado um dos chifres que levei na vida não fosse o fulano, que dividia o teto e as contas comigo, ter dado a resposta mais equivocada a uma pergunta quando descobri que ele brincava pelado numa cama alheia. Você se apaixonou? "Não", como se dissesse "gozei sem amor, meu coração é todo seu". Então, tá.
Não foi a sacanagem, as mensagens sorrateiras, as mentirinhas mal-ajambradas, o sexo na surdina, a punheta no chuveiro. Traição é só a consequência de algo de fato grave: falta de lealdade. Era isso que fazia meu fígado urrar e meu ego desmoronar quando descobri que o moço fazia frilas sem envolvimento.
Queria pegar um chicotinho e me penitenciar por ter aberto a vida, a casa, as pernas, além de ter emprestado grana e feito planos futuros, para um cara que apunhalava minhas costas e o ventre de alguma lambisgoia, sem ter acertado a fornicação extracurricular comigo. Combinado não é caro, aprendi com meu pai. Um casal de amigos derrubou a cerquinha da fidelidade com OK mútuo. Tudo certo.
Pelo menos descobri a marotagem toda num email, pude me encolher no cantinho da cama com raiva e com dor, contar para poucos amigos, antes que pudesse pedir que ele desaparecesse com seus quadros, sua cara de pau e a história de mentirinha que eu fingia acreditar que vivia.
Poderia ser pior. A safadeza toda chegaria a mim por meio de uma notícia no jornal. Ele lá, bebaço, conversando com um comparsa, dizendo que anda "invocado para comer uma velha por aí". Uma, não. "Duas velhinhas de cinquenta. Casadinhas."
Poderia ser ainda pior. Ter no áudio um trecho em que ele faz piada de como vai contar sobre as "traquinagens" em que anda metido. Que vai fazer drama, pedir a separação, passar o dia em crise, dizer que não me merece, que não é homem para mim, até que eu faça juras de amor, antes que ele revele que à noite "o Bonner vai dar umas notícias". Tudo isso, entre goles de uísque e risadas.
Muito pior do que o iminente chifre, são a deslealdade e o desrespeito. Já pensou se abro mão da carreira, se tenho um filho com um cara desse? Ufa, que alívio, porque, né?, quem não respeita a companheira não respeita ninguém. Quem expõe a mulher dessa forma, seja para um ou para milhões, é capaz de se achar a "joia da coroa", de fazer qualquer tipo de traquinagem. Bem piores do que "comer uma velha por aí". Até porque isso pode fazer parte do acordo de qualquer casal.