Folha de S. Paulo


Miniditaduras da liberdade

Karime Xavier / Folhapress
Jovem mostra cabelo crespo
Jovem mostra cabelo crespo

Pela primeira vez na história do Google, no Brasil, a procura por "cabelos encaracolados" superou a sanha desenfreada pelo tipo liso. Tem mais, as buscas por madeixas afro cresceram 309% nos últimos dois anos.

Isso não é só uma boa notícia, é uma baita vitória para as mulheres brasileiras, que estão entre as que mais gastam com produtos para cabelo no mundo, as que mais levam tempo lavando, secando, alisando, enrolando, fazendo qualquer coisa que deixe a juba diferente do que é naturalmente.

Estamos a um passo de ver mulheres mais felizes, com autoestima elevada, satisfeitas com o que têm, certo?

Errado.

Num papo com uma blogueira negra, que tem os cabelos tão maravilhosos que eu queria esconder meus fiozinhos mirrados num boné, descobri que a liberdade para os cabelos afro criou uma mini-opressão. As mulheres se livraram das correntes da chapinha para sofrer de outra forma sob a ditadura do cacho perfeito.

Tornou-se uma nova obsessão, motivo de ciumeira e treta, disputa pelo olimpo dos caracóis. E uma vez crespa, nunca mais pense em fazer uma escova, sob o risco de ser acusada de traidora do "movimento".

Foi isso que aconteceu há uns meses com a atriz e roteirista Lena Dunham, que ousou trair a causa das gordinhas que amam seu corpo e não estão nem aí para o que os outros pensam. O cérebro por trás da série americana "Girls" teve que explicar sua silhueta mais magra depois que foi exaustivamente atacada por seguidoras. Levou na testa um carimbo de hipócrita. Até tu, Lena, nessa de barriga tanquinho?

Do outro lado, parte da mídia internacional caça-clique celebrava a perda de peso da atriz. Até que ela disse que precisou mudar o estilo de vida para tratar uma endometriose. Olha, desculpa, tô magra, mas sou doente, ninguém precisa me amar ou me odiar por isso. Duvido que ela tenha se importado com a patrulha, mas pelo menos deixaram a moça em paz.

A gente ainda vive uma cultura enorme de gordofobia, mas acabar com um preconceito não deveria criar outro. Experimente dizer que quer emagrecer se o seu interlocutor achar que não é necessário. Você vai receber de graça um discurso, que não pediu, sobre os padrões de beleza que deveriam ser combatidos por gente inteligente como você.

Você não disse que vai trocar a birita por whey protein. Muito menos que está com foco no corpo da Patricia Poeta. Apenas teve a audácia de revelar que quer enxugar uns quilinhos que sobram. A pessoa não sabe se o colesterol está alto e a gordura abdominal explode na sua legging preta. Se você precisa entrar num maldito vestido de casamento, que custou uma pequena fortuna, e que agora não passa no quadril. Para esses miniditadores você é exagerada e se deixa influenciar por blogueiras desmioladas. E mesmo que fosse?

Cada um sabe onde aperta a sua calça. Não adianta libertar os gordos e aprisionar o desejo de alguém fazer dieta e crossfit. Quero ser magra, dane-se o mundo, escreveu uma amiga num grupo de WhatsApp. O tom era de revelação, por um momento achei que ela usava drogas e precisava de ajuda, tamanho suspense. Eu também quero. Rimos e nos abraçamos virtualmente. Marcamos um jantar para celebrar a dieta, o direito de ser o que a gente quiser e de reclamar do cabelo.


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