Folha de S. Paulo


Minha geração nunca viverá no Brasil do futuro

Daniel Carvalho/Folhapress
Congresso Nacional, em Brasília
Congresso Nacional, em Brasília

Uma figura conhecida da minha infância era o sujeito encarregado da remarcação de preços nos supermercados. Ele estava sempre por lá, nos corredores, sentado numa caixa de pêssego em calda, com seu jaleco e a maquininha de onde saiam as novas etiquetas com a valor mais alto das mercadorias. A gente saía com os carrinhos cheios porque ao final do mês o poder de compra seria reduzido à metade por causa da inflação.

Outra coisa era o overnight. Se você der um Google vai descobrir que virou nome de balada na Vila Olímpia e de uma dieta que promete emagrecer três quilos em duas semanas. Na minha época, era uma aplicação financeira que rendia juros diários aos investidores e evitava que o dinheiro evaporasse das contas.

Quem tem menos de 40 anos não faz ideia do que seja isso. E talvez tenha ouvido falar pouco de quando o Brasil ainda era considerado o "país do futuro". Veja só, havia esperança de dias melhores para nós. Durante décadas essa possibilidade parecia apenas a visão otimista do austríaco Stefan Zweig, quando ele lançou em 1941 o livro com esse título.

Éramos uma nação pobre, agrícola, cheia de analfabetos. Zweig foi criticado na época por sua visão ufanista, que parecia exaltar o governo de Getúlio Vargas. Talvez só um gringo para enxergar, na primeira metade do século passado, o potencial que o Brasil sempre teve. O que é bastante claro hoje para todo mundo.

Diante do cenário em que vivemos, venho me perguntando há mais de um ano como um país tão esplêndido em sua geografia, farto em riquezas naturais, tão diverso culturalmente, com clima ameno, um povo, em sua maioria trabalhador, simpático e acolhedor, como o nosso, deu tão errado?

O futuro parecia ter chegado no começo dos anos 2000 e toda uma geração começou a fazer planos que as anteriores jamais tiveram oportunidade e ousadia. Vieram estabilidade econômica, programas sociais, investimentos, empregos, distribuição de renda. A gente pensava, agora vai. O futuro é logo ali.

ONDE?

Tenho a impressão de que vivemos uma farsa nas últimas duas décadas. Somos uma vergonha no que se refere ao desenvolvimento humano. Metade de nossas casas não tem saneamento básico. Nossos números de violência são piores do que o de países em guerra. Viramos reféns de uma classe política bandida, que legisla em causa própria e se mostra nada comprometida com a vida de 200 milhões de pessoas.

Com as redes sociais e o nível de informação que temos hoje, a sensação é de que o país está ainda pior do que há 20 anos. Vejo negócios fechados, placas de aluga ou vende, amigos desempregados, famílias inteiras vivendo nas ruas, crianças pedindo um prato de comida.

A diferença de hoje para o país que lá atrás prometia tanto é que havia esperança e otimismo. Sequestraram esses sentimentos.

O futuro do Brasil ficou num passado recente soterrado por corrupção, incompetência e ganância. Faltou aos nossos governantes disposição para transformar o país num lugar minimamente digno. Mas o que faltou mesmo foi ambição de todos– de todos –ao trocar um lugar honrado na história por conchavo, bajulação e propina.

Quanto tempo levaremos para limpar essa sujeirada? Quando conseguiremos renovar nossos representantes a ponto de que não sobre nada dessa política rançosa? Vinte anos? Trinta? Quarenta?

Uma coisa é certa, a minha geração nunca viverá nesse Brasil do futuro que acreditamos um dia chegaria. O futuro está mais distante. Talvez a gente consiga ver lá do alto da velhice os sinais de melhora. Ou nem isso.


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