Folha de S. Paulo


O amor é um lugar tranquilo, silencioso e ensolarado

SXC
Casal / Couple / Amor / Love / Abraço
"É difícil descrever o que encontramos ao chegar no tal do 'final feliz'"

O grande problema das histórias de princesa não é a passividade das moçoilas à espera de príncipes, que serão sua salvação. Não é o machismo que se discute ou o culto à magreza impossível. Isso tudo tem remédio. A pior mentira contada é que o amor é algo impossível, cheio de obstáculos e sempre haverá muita tristeza, decepção e desencontros antes do "final feliz". Caí nesse conto. Não devo ser a única.

O que tiramos desses tipos de livro é que o tal do "final feliz" é um lugar onde poucas pessoas conseguem chegar e quase nunca têm habilidade para explicar o que exatamente podemos encontrar por lá.

A gente cresce acreditando que um amor de verdade tem doses cavalares de sofrimento, angústia, doação, que precisamos abrir mão de muita coisa, ser dedicados, pacientes e compreensivos, caso contrário o danado do amor se rebela e vai embora porque não nos comportamos direito.

É tudo mentira. Só acaba quando não é amor.

Fui feliz várias vezes, mas sempre me conformei com o inevitável fato de que a maior parte do tempo a gente tenta completar um quebra-cabeças com duas peças que não se encaixam. Num primeiro olhar, elas parecem compatíveis. Num primeiro momento, a promessa é de amor.

Achei que era amor muitas vezes. Perdi as contas de quantos encontros me fizeram pensar "agora vai", mas quase sempre era apenas um passeio de montanha-russa em que me senti muito eufórica em algumas fases e em outras como se caísse num precipício de sentimentos com os quais nunca sabia lidar.

Então, a gente se acostuma com histórias em que as narrativas mostram o amor apenas num papel triste de figurante. Ficamos em relações em que tem de tudo: falta de respeito, de paciência, de planos em comum, de afinidade. Só não tem amor, porque no fundo nem sabemos reconhecê-lo.

Me enganei a vida toda.

Achei que era amor aos 14, outra vez aos 18, depois aos 28. Então, perdi a conta. Achei que era amor, mas eram hormônios em ebulição e espinha na testa. Achei que era amor de novo, mas era só maconha e maresia. Tinha certeza de que era o raio do amor. Nada, era só aluguel mais barato, dividido por dois. E várias vezes achei que era o encontro mais especial da vida, mas eram apenas noites mal dormidas depois de sexo bem feito e o braço adormecido da conchinha.

Até o dia em que ele chegou e nunca mais foi embora. E durante muito tempo desse momento "nunca mais foi embora" esperei com paciência o instante em que a gente percebesse que as duas pecinhas que somos nós não se encaixavam. A gente daria de cara com o fim da estrada e cada um pegaria um atalho para bem longe um do outro.

Esperei. Esperei. Esperei. E enquanto aguardava que tudo desmoronasse, a gente se trombava, pedia desculpas, saía por uma porta, engolia o orgulho, voltava pelo mesmo caminho, se divertia, se amava, sentia saudade, saía correndo, fazia planos, comprava uma cama, pendurava um quadro na parede, discutia, fazia as pazes, tinha acessos de risos. Os dois. Uma sintonia.

Eu sentia amor e pavor ao perceber que nossas histórias, personalidades, desejos e tralhas, que acumulamos pela vida, se encaixavam cada vez mais.

Hoje, quando ele entrou em casa, o achei tão lindo e atraente, me peguei sorrindo, sem prestar atenção no que ele contava. Foi como se o olhasse pela primeira vez. Acontece com frequência. E enquanto eu me acomodava no sofá, as respostas que tenho procurado há tanto tempo estavam bem ali.

O amor não te deixa triste, inseguro, solitário, com medo. Você não acorda no meio da noite ou perde o apetite. Não há silêncios dolorosos. Não há dúvidas. As brigas não machucam.

Não tem nada a ver com sofrimento, medo, doação. É difícil descrever o que encontramos ao chegar no tal do "final feliz". Eu diria que é um lugar tranquilo, silencioso e ensolarado, num domingo de primavera.

Hoje, quando ele entrou em casa, percebi que parte da minha vida tem sido exatamente desse jeito. E eu não tenho a menor vontade de estar em outro lugar porque sei que ele também não quer.


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