Folha de S. Paulo


Se quer que alguma coisa dê certo, não conte a ninguém

Sempre ouvi esse mantra, ora de minha mãe, ora de amigas zelosas pela boca de matraca que me possui, além da teimosia em ser otimista e ter fé na vida e nas pessoas –muitas que hoje sei não valem nada. Gente que chega de mansinho, te conquista com jeitinho e na primeira oportunidade, créu.

Essas a gente despacha para bem longe, não atende mais telefone, deleta das redes, toma um banho de descarrego, canta para subir e segue o baile. Nem causa sofrimento, apenas perda de tempo e de energia boa, nada que omeprazol em estoque e psicanalista na agenda não resolvam.

Mas de uns tempos para cá percebi que as pessoas não disfarçam como se sentem ofendidas com a felicidade alheia. Pessoal duvida que haja gente razoavelmente satisfeita com a vida que tem, ainda que nem tudo seja como a melodia fofinha e grudenta da música de Ana Vilela. Há um discurso insistente de que por trás de toda criatura felizinha tem sempre um mentiroso em potencial, que usa filtros do Instagram para dar mais cor a um cotidiano tosco.

As pessoas até disfarçam, mas acabam soltando o que pensam de verdade sobre vidas-perfeitinhas-insuportáveis. Já ouvi todo o tipo de sentença: mulheres casadas não transam, todos os homens traem, nenhum relacionamento dura para sempre, ser mulher é muito difícil, se é magra, toma bomba.

Recentemente passei a acordar às 4h por causa de um novo trabalho. Dói o cérebro quando o despertador toca, não vou mentir. Ainda que meu organismo tente se adaptar ao fuso de Londres, ele teima em funcionar no horário local. Mas assim que escovo os dentes, estou pronta para o dia. Estou curtindo minha nova rotina, mas tem gente que prefere insistir que minha vida é miserável.

Experimente ser realizado em seu relacionamento e ter a audácia de mostrar isso ao mundo. Não vai demorar para que gente que nem conhece apenas insinue ou diga com todas as letras que você é iludida, arrogante, frustrada, chifruda. As pessoas desejam isso ao outro e não mais secretamente, porque não aceitam que as relações sejam diferentes do clichê do fracasso.

Então, passei a mentir. Dependendo da pessoa que encontro, minto. Reclamo do trabalho, do marido, do trânsito, da alta do dólar, dos gatos, do peso, das rugas, do cabelo. Se está sol, reclamo. Se chove, protesto ainda mais, embora veja muita poesia em dias nublados e melancólicos. E tenho cá para mim que a vida é essa sucessão de dias melhores e piores, e que podemos apenas escolher em quais focar a energia e os posts do Facebook.

Percebi que ao contrário do que se propaga, não se reconhece os amigos apenas na hora em que precisamos deles. Há um sentimento mórbido na cumplicidade compartilhada quando estamos todos no buraco. Às vezes, a ruína do outro alivia a nossa própria, enquanto temos uma dificuldade enorme em lidar com quem ostenta felicidade. O sucesso alheio pode ser mesmo insuportável, ainda mais quando a gente acha que o outro não merece.

No rastro disso percebo uma ode ao mau humor. Gente azeda que faz barulho e atrai outros tantos azedos tal qual mosca no cocô. Ser feliz passou a ser quase cafona. Eu ainda prefiro a alegria à tristeza, mesmo que por vezes precise disfarçar ou conte apenas a metade da missa. E ainda que isso custe muito banho de sal grosso e algumas inimizades.


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