Folha de S. Paulo


Substâncias proibidas melhoram o desempenho, mas não a técnica

Quando a tenista Maria Sharapova foi pega no exame antidoping em março do ano passado, em um dos maiores escândalos esportivos, fiz a seguinte pergunta: sem o meldonium Sharapova seria Sharapova? Naquele momento era impossível dizer, mas talvez tenhamos alguma resposta.

Na sexta (28), ela chegou à semifinal do WTA de Sttutgart, o primeiro torneio do qual participa, depois de 15 meses de suspensão. A tenista, que já venceu cinco títulos de Grand Slam, entrará apenas para o top 300 em caso de vitória. É cedo para fazer para qualquer prognóstico, mas seu desempenho traz algumas reflexões sobre o doping.

O meldonium, como ficamos sabendo à época, é um remédio desenvolvido nos anos 1970 para tratar problemas do coração e passou a ser largamente usado, durante anos, pelos russos e atletas da península balcânica, onde é vendido livremente. Proibido pelas agências reguladoras de remédios dos Estados Unidos e da Europa, ele entrou na mira da Wada (Agência Mundial Antidoping) por melhorar a resistência física do atleta e ter efeito positivo em sua recuperação.

Sharapova alegou que fazia uso da substância para tratar uma deficiência de magnésio e diabete. Não colou. Havia o histórico de tramoias dos russos, mais a forma como a tenista disse administrar o remédio durante dez anos, mais os alertas da agência de que iria fechar o cerco. A Wada juntou lé com cré, e Sharapova foi suspensa pela federação de tênis. Vários outros atletas também foram na mesma levada.

Quem acompanha a coluna sabe o que penso sobre a questão do doping. Enquanto as autoridades criam testes mais eficientes para detectar substâncias que possam melhorar o desempenho, há um submundo muito mais eficiente em desenvolver técnicas de administração que não sejam identificadas pelos exames e drogas ainda mais sofisticadas.

Ou seja, de alguma forma é o doping que ajuda atletas a continuarem batendo recordes, se transformarem em ídolos e alimentarem uma indústria de entretenimento bilionária.

Há, porém, questão importante: doping melhora o desempenho por meio de inúmeras substâncias, mas não a técnica. Se a resistência é a chave em muitos esportes, em outros nada substitui o talento. O atleta pode ter mais fôlego, mais força, se recuperar melhor para o desafio seguinte, perder peso, ganhar massa muscular, tudo de forma clandestina, mas não desenvolverá habilidades individuais e revelará a genialidade inata que vemos em muitos deles.

Se fosse assim, ídolos de esportes como futebol, tênis, basquete e de todos que dependem antes de tudo de vocação poderiam ser produzidos em série com o uso de coquetéis de substâncias proibidas. Sabemos que não é assim.

E Sharapova se encontra nessa categoria, assim como Neymar, Messi, Federer, Michael Jordan, as irmãs Williams.

São muito frouxas as regras da Wada de não banir para sempre atletas pegos em doping. Seria o mais sensato se de fato a entidade quisesse reprimir com resultados o uso de substâncias ilegais. O doping compensa, como podemos ver.

Mas graças a essas regras teremos a chance de ver se Sharapova seria Sharapova sem o meldonium. Será divertido acompanhar o seu retorno e atestar se passar por tudo isso (substâncias ilegais, vexame mundial e suspensão) foi mesmo necessário. Façam suas apostas.


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