Folha de S. Paulo


O mundo é uma grande suruba

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Sócios da 'Playboy': André Sanseverino e Marcos de Abreu
Sócios da 'Playboy': André Sanseverino e Marcos de Abreu

A revista "Playboy" foi lançada no final de 1953. Necas de pílula anticoncepcional ou revolução sexual naquela época. Virgindade ainda era moeda de troca em relacionamentos e casamentos. Joelhos à mostra de qualquer moça eram capazes de causar ereção coletiva.

Faz sentido que durante as décadas em que vivemos sob a mais profunda caretice, quebrando tabus e mudando costumes, a revista tenha se tornado um estrondoso sucesso ao mostrar ao mundo algumas das pepekas mais famosas e cobiçadas. O poder da vagina sobre os homens é tão grande que ainda me pergunto como não conquistamos a Via Láctea. Mas esse assunto fica para outro dia.

É compreensível que um cara como Hugh Hefner, fundador e editor-chefe da revista, tenha inspirado homens de muitas gerações ao expor seu estilo de vida. Quem não gostaria de viver numa mansão, mesmo que de gosto duvidoso, cercado de mulheres bonitas, algumas dezenas de anos mais jovens? Hefner ficou milionário, dava festas que povoaram o imaginário das pessoas, em que garotas peladas eram figurinhas mais fáceis do que digital influencer em bocas-livres nos dias de hoje.

Tinha suruba, claro. Deve ter ainda hoje. Felizmente as pessoas ainda não deixaram de transar. Pelo contrário, nunca foi tão fácil fazer sexo. E de graça. Consentido. Desejado. Por isso, é ainda mais chocante –e revoltante– que algum homem ainda tente usar o poder que tem para persuadir uma garota a trocar sexo e fotos nuas pela promessa de uma carreira de modelo, atriz ou o que quer que seja. É do que são acusados os novos donos da revista "Playboy", no Brasil, André Luís Sanseverino e Marcos Aurélio de Abreu.

Hugh Hefner nunca escondeu que catapultava de sua cama mocinhas diretamente para a páginas da revista. Imagine a fila? Vaidade e bastante dinheiro também eram bons atrativos para incentivar gente famosa a tirar a roupa. É fato que ficar pelado era transgressor e muitas mulheres ganharam fama dessa forma. Mas hoje? Hoje, propaganda de xampu paga mais. É mais fácil fazer sucesso na internet sem mostrar o modelo da depilação. Quem vai querer mostrar hemisférios corporais desnudos por cachês minguados? Gente com pouca ambição e muito desespero.

Sanseveriano e Abreu devem ter visto no comando da "Playboy" a possibilidade de brincar de Hugh Hefner. Fazer isso em pleno século 21, quando é mais fácil ver mulher sem roupa do que passar para a próxima fase do Candy Crush, é tão decadente quanto a própria revista. A "Playboy" vende um produto datado, um fetiche mirim. O WhatsApp está inundado de peladas muito mais interessantes, gostosas e bonitas do que as vaidosas que se dispõem a mostrar a bunda na revista.

Os tempos eram outros. Hoje o mundo é uma grande suruba. Fazer sexo sem compromisso e de graça é mais simples do que declarar o imposto de renda. E isso é maravilhoso. Hugh Hefner foi um dos protagonistas dessa revolução, mas sua fórmula está caquética.

O mundo ainda tem milhares de mulheres dispostas a qualquer coisa por dinheiro. Basta ver o sucesso que o playboy milionário Travers Beynon faz na internet, ao ostentar viagens, mansões, carros, barcos e objetificar mulheres. Em uma foto polêmica, ele aparece segurando duas garotas em coleiras como cadelas. Há muitas outras do gênero. Tem gente, como disse, disposta a tudo. Desde que seja em comum acordo, OK.

Não parece o caso dos aspirantes a playboy André Luís Sanseverino e Marcos Aurélio de Abreu. A acusação que pesa sobre eles podia ser algo trivial e aceitável nas últimas décadas, mas brincar de Hugh Hefner em pleno século 21 não é apenas cafajestagem fora de época, é assédio. E assédio, como sabemos, é crime.


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