Folha de S. Paulo


Encontro com o ídolo

Juan Mabromata/AFP
Hortência carrega a tocha olímpica em cerimônia de abertura da Olimpíada Rio-2016
Hortência carrega a tocha olímpica em cerimônia de abertura da Olimpíada Rio-2016

Há umas três semanas eu estava em São Paulo, hospedada na casa de um amigo, quando tocou a campainha e eu dei de cara com ninguém menos que Hortência Marcari, a nossa Hortência do basquete. 

Até agora não me refiz do encontro e me pergunto o que faz uma marmanja como eu perder o rebolado, a fala e ficar com cara de pateta. Talvez você também guarde no coração um ídolo que tenha marcado sua vida e entenda. Meu pai, por exemplo, tem essa adoração pelo Zico e eu não me espantaria se ele chorasse, tal qual as fãs de Justin Bieber, se desse de cara com ele. Talvez com menos histeria. 

Hortência foi um dos meus maiores ídolos na adolescência. Por causa dela comecei a jogar basquete, apesar dos meus 1,65 metro. Tornei-me uma boa arremessadora de três pontos, o que me garantia vaga de titular do time. Ganhei medalhas, fiz amigos e o esporte ajudou a me manter razoavelmente longe de encrencas. Minha mãe deve agradecer à "Santa Hortência" por isso. 

Eu queria mesmo era ser a Madonna. Mas Hortência foi uma inspiração muito mais possível. Prendia o cabelo como ela, usava a mesma marca de tênis, treinava exaustivamente sua famosa paradinha no ar, sem ter nenhum sucesso. Há uma geração inteira de garotas que cresceu dentro de ginásios de basquete por causa de Hortência.

E então ela estava ali bem na minha frente, saída de uma aula de ioga, que começou a praticar recentemente. Mas ela também pode ser vista em seu Instagram praticando spinning, musculação, boxe. "Sou muito dedicada. Não quero ser mais ou menos em nada do que eu faço", disse ela, que faz palestras motivacionais pelo Brasil com esse espírito "seja o melhor que você puder". 

Aos 58 anos, ela tem uma rotina de atividades físicas, cuidados com a saúde e com o corpo, que continuam inspirando seus fãs mais antigos e gerações mais novas.

Claro que ter habilidade esportiva não qualifica ninguém a ser exemplo de vida para crianças ou adolescentes. O esporte está cheio de casos de atletas excepcionais, com vidas pessoais marcadas por episódios que não servem de modelo. Mas ainda são exemplos melhores do que a nova safra de "ídolos" que surgiu com a internet. Hoje, se você perguntar a uma criança ou adolescente de classe média o que ele gostaria de ser no futuro, posso apostar que a resposta será youtuber. 

Não gosto do discurso de que as novas gerações são piores do que as antigas, mas é impossível não concordar que é mais saudável uma criança passar horas em uma piscina ou num campo de futebol do que sentada em frente a um computador. Mas preciso reconhecer que estamos órfãos de ídolos no esporte.  

*

Em setembro, escrevi nesta coluna que havia uma reclamação da Prefeitura do Rio sobre o "mau humor e o pessimismo da Folha e a torcida contra de jornalistas". Eu seria um dos focos desses comentários, segundo uma fonte, por causa das críticas feitas à Olimpíada e ao então prefeito Eduardo Paes.

Paes foi acusado de ter recebido R$ 16 milhões da Odebrecht pela realização dos Jogos. Soubemos também que seus filhos foram matriculados em um dos colégios mais caros de NY, frequentado por filhos de atores do naipe de Tom Cruise.

Enquanto isso, o Rio afunda. É ou não é para ficar de mau humor?


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