Folha de S. Paulo


Sofrer por amor é perda de tempo

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Conheço gente que levou quatro anos para superar o final de um relacionamento. Qua-tro a-nos. Nesse tempo dá para terminar faculdade, financiar carro, fazer curso completo de japonês. Uma criança aprende a andar, a falar, a usar o computador. Mais um pouco e já entra no Tinder.

Quatro anos. A pessoa lá comendo um pote de Nutella no sábado à tarde, fazendo "binge watching" de séries de TV, adepta de jejum social e sexual e quando percebe já esquentou, esfriou, veio Natal, foi Réveillon, esfriou de novo. Perdeu a formatura do melhor amigo, o batizado da sua sobrinha, o plano da academia venceu.

Em quatro anos o outro já saiu com o andar inteiro da firma, morou com duas namoradas, fez planos de casar, desfez, deu a volta ao mundo, namorou islandesa, australiana, nigeriana. Virou monge tibetano e, por fim, descobriu que é gay. E a pessoa sofrendo.

Também conheço gente que depois de dois meses de relacionamento sofre como se tivesse vivido a história mais importante da vida. Sofre como se em dois meses tivesse de fato um relacionamento, quando tudo que existe entre duas pessoas nesse curto de espaço de tempo se chama tesão. E o tesão acaba quase sempre antes de um adicionar o outro no Facebook.

A sofrência desenfreada, independe do tempo ou da intensidade, não trará respostas e muito menos a pessoa amada de volta. A gente não percebe, mas alimenta a falsa impressão de que se sofrer de verdade, acabará por criar um campo magnético poderoso, que vai resolver a parada. Aquele negócio de poder da atração? Tudo mentira. Mas a gente quer que o outro reconheça que a nossa dedicação (mais conhecida com "estou sofrendo para cacete") merece uma segunda chance. Às vezes funciona. Quem nunca voltou atrás motivado pelos prazeres da carne ou por pena?

A pessoa não apela ao pai de santo do cartaz do poste, mas mergulha em penitência, o que é a mesma coisa, porque no fim quer acreditar num milagre. O nome disso é carência. Pode ser também falta de maturidade emocional. Mas muitas vezes é só desespero. Acontece aos 15 e aos 40.

Amores acabam, muitas vezes ainda antes de se transformarem em amores. Daí reclamos que ninguém quer nada sério. Mas a gente transforma sexo gostoso e quentinho no amor da vida? E essas historinhas acabam e quase sempre sem explicação.

Essa falta de resposta que usamos para prolongar sofrimentos não muda a questão essencial. Quando uma relação chega ao fim não importa o que o outro pensa ou sente. Não importa se acabou a atração, o interesse ou o crédito do celular. Não importa se ele resolveu virar monge ou enjoou de pepeca.

A gente precisa aprender a lidar com rejeição, com rupturas e términos de um jeito mais consciente e menos doloroso. Sofrer faz parte, assim como dosar o sofrimento. Terminar uma relação de anos e amargar uma dorzinha de corno por alguns meses é natural. Lamentar que um casinho não tenha ido para frente também. O que não dá é velar o morto-vivo ad aeternum­. A fila anda.


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