Folha de S. Paulo


Banir marchinhas não diminuirá machismo nem preconceito

Vinicius Rodrigues/Pref.Olinda
Olinda,PE,Brasil 04.02.2016 Olinda Carnaval 2016 Acho e Pouco - Praça do Carmo Foto: Vinicius Rodrigues/Pref.Olinda REVISTA OLINDA ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Carnaval em Olinda, Pernambuco

Marchinha de Carnaval para mim sempre foi como música do Djavan, a gente sabe de trás para frente, canta, adora, mesmo que elas não façam o menor sentido. Porque a música apenas embala o que a festa tem de mais importante que é a farra, a purpurina, o beijo na boca, a cerveja gelada.

Mas não precisa ser politicamente correto para perceber que, sim, muitas têm letras machistas, racistas, preconceituosas, com duplo sentido. Apenas recentemente me dei conta disso, não porque não me importo, mas porque nunca tinha prestado atenção. É aquilo que eu já disse, música, purpurina, beijo na boca, cerveja gelada, farra. Não necessariamente nessa ordem.

Não levar a sério letras de músicas cheias de barbaridades, escritas na época do guaraná com rolha, não faz de mim nem de ninguém pessoas mais racistas, mais machistas, mais preconceituosas, porque cantamos, entre uma paquera e outra, entre um gole e outro, que A Pipa do Vovô Não Sobe Mais.

O sentido obscuro e a pobreza lírica de cada verso que prima pela rima, mas não pelo bom gosto e pelo discurso engajado, volta ao debate cada vez que soa o primeiro tamborim. No raiar deste fevereiro, algumas marchinhas foram banidas por alguns (poucos, é verdade) blocos cariocas, o que gerou uma onda de protesto contra o "politicamente correto".

Quanta gente chata, bradam uns. Chato mesmo é viver num mundo em que o machismo e o preconceito não passarão, respondem outros. Carnaval também é manifesto! É a politização de uma festa profana! É o discurso careta em tempos em que a caretice impera!

E segue o bloco da discórdia.

Há de fato um tanto de exagero, inclusive porque cada música pode ser interpretada de acordo com o ouvinte. Eu acreditava que Maria Sapatão, por exemplo, era uma ode à libertação da homossexualidade feminina, que cantava aos quatro cantos que "o sapatão está na moda, o mundo aplaudiu. É um barato, é um sucesso, dentro e fora do Brasil". Talvez não mais no Brasil. Desculpa aí, se não é nada disso, se tem gente que se ofende e não gosta.

Mas banir marchinhas não vai mudar o mundo para melhor. Quem é machista, racista, preconceituoso vai continuar com suas convicções mesmo que o Carnaval acabe um dia e que não sobre um tiquinho da pele da Globeleza descoberta.

Por outro lado, faz todo sentido que blocos feministas ou que tenham algum tipo de engajamento social não coloquem no repertório músicas que firam seus princípios, se decidirem por este caminho.

Há coisas mais importantes a serem combatidas enquanto entoamos músicas feitas numa época que não existe mais. O mundo vem evoluindo, ao contrário do que muitos pregam. Não fosse assim não estaríamos aqui problematizando a Cabeleira do Zezé. Desde que a música foi criada, em 1963, hordas de Zezé saíram do armário. Quem hoje em dia acha que cabelo comprido define orientação sexual?

Toca quem quer, canta quem sabe, dança quem tem vontade. Tem bloco para todos os gostos, para quem quer politizar o Carnaval, levantar bandeiras sociais ou apenas se lambuzar de gliter, cerveja e beijos suados, sem prestar atenção na música.

O que não vale é beijar mulher à força, passar a mão na bunda sem consentimento, se aproveitar da bebedeira alheia, achar que mulher solteira é disponível. Cantar "Maria Escandalosa" pode ser machista na opinião de algumas pessoas. Forçar uma mulher a qualquer coisa sem seu consentimento deveria ser visto como assedio e mau-caratismo por todo mundo. No Carnaval e no resto do ano.


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