Folha de S. Paulo


A tragédia da Chape já deu

Silvia Izquierdo/Associated Press
Os sobreviventes Jackson Follmann, Neto, Alan Ruschel e Rafael Henzel durante homenagem no jogo Brasil x Colômbia
Os sobreviventes Jackson Follmann, Neto, Alan Ruschel e Rafael Henzel durante homenagem no jogo Brasil x Colômbia

Foi assim que um conhecido resumiu o fiasco do jogo em tributo à Chapecoense, realizado quarta (25), no Engenhão, no Rio de Janeiro. Caridade a R$ 70... fala sério!, reclamou uma leitora. E assim vamos juntando as peças do retumbante fracasso –ou seria melhor chamar de vexame?– o tal Jogo da Amizade, a nobre proposta de realizar uma partida de futebol entre Brasil e Colômbia para arrecadar fundos para os familiares das vítimas do voo da Chapecoense.

Não deu certo. E ainda não sei o que mais impressiona: o zero engajamento do torcedor brasileiro para ajudar as famílias da Chape ou a falta de cordialidade para retribuir o carinho e o respeito que o povo e as autoridades colombianas nos estenderam no momento da tragédia.

O que aconteceu com #somostodoschape?

Para começo de conversar, o evento foi muito mal divulgado. Algumas pessoas disseram que sequer souberam que ele seria realizado. Ou a estratégia da CBF não funcionou ou não houve tal coisa. Por certo, os organizadores acreditaram que a lotação dos estádios nas eliminatórias da Copa seria a garantia de um evento de sucesso. Não foi, apenas 18.695 pessoas estiveram no Engenhão, que tem capacidade para 60 mil.

Os clarões no estádio contrastavam com a superlotação do Atanásio Girardot, em Medellín, quando cerca de 45 mil pessoas encheram as arquibancadas, fora os 100 mil que ficaram do lado de fora, na homenagem organizada pelo Atlético Nacional.

Um segundo ponto importante. É verdade que, na Colômbia, a solidariedade foi gratuita. No Brasil, o intuito era também arrecadar dinheiro, mas os ingressos chegavam a R$ 150. Veja, cobrar tais valores do torcedor, em sua maioria cariocas, no momento em que o funcionalismo está há meses sem receber em dia e batemos recorde de desempregados, mostra como a CBF está desconectada da realidade. Tão desconectada que nem o presidente da entidade Marco Polo Del Nero se deu ao trabalho de comparecer.

Ainda assim, os presentes poderiam ter feito bonito, mas o que prevaleceu em boa parte do jogo foi apenas rixa entre torcidas e aquele orgulho brasileiro fora de hora. Torcedores do Flamengo gritavam o nome de seus jogadores e os demais vaiavam. Palmeirenses xingando jogador corintiano quando este pegava na bola.

Mesmo com uma quantidade expressiva de colombianos, ouvia-se no estádio o famoso "eu sou brasileiro, com muito orgulho e muito amor". Grito fora do contexto, fora do clima de cordialidade que deveria imperar. Perdemos uma chance enorme de retribuir ao Atlético Nacional e ao povo da Colômbia o que fizeram por nós.

Uma leitora chegou a dizer na época da tragédia que o que os colombianos fizeram pela Chapecoense nunca seria feito pelos brasileiros. Achei um tremendo exagero, mas infelizmente ela parece ter razão.

O que aconteceu com nossa empatia? Li muitos comentários de que a tragédia "já deu", de que ninguém aguenta mais falar sobre o episódio, que temos outros problemas mais graves. Não sabia que o saco da empatia tinha fundo, que a gente se cansa de se comover com as tragédias alheias.

E assim fechamos mais um capítulo vergonhoso de nossa história. Jogo beneficente, mal organizado, com ingresso caro, numa cidade falida, com uma seleção incompleta. Receita perfeita para um fiasco. Orgulho de ser brasileiro por que?


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