Folha de S. Paulo


Férias das tretas nas redes sociais

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Vinte dias acordando com o sol, dormindo cedo, cochilando na areia ...
Vinte dias acordando com o sol, dormindo cedo, cochilando na areia ...

Vinte dias com um único par de havaianas nos pés. Para tudo. Ir à praia, visitar templos, perambular pelas cidades, comer em restaurantes descolados, em barraquinhas de rua, pegar avião, ônibus ou barquinho. Um par de chinelos. Foi tudo o que precisei para tirar férias da centopeia que habita meu ego e viajar com a mala e a alma mais leves.

Vinte dias acordando com o sol, dormindo cedo, cochilando na areia, tomando cerveja antes das 10h, lendo crônicas e ficção. Nada de notícias, artigos, opinião. Vinte dias para desligar da vida e dar folga para a ansiosa que inferniza meu ego.

Vinte dias sem tretar nas redes sociais, sem postar textão cabeça, sem dar indireta, sem me indispor com amigos, sem me irritar com conhecidos, sem brigar com desconhecidos, sem bloquear geral. Vinte dias. Foi tudo o que precisei para desintoxicar o ego de opiniões, posicionamentos, convicções.

Vinte dias em que apenas posto fotos das férias e de todos os clichês que as acompanham. Do pôr do sol, do horizonte paradisíaco, dos pés calculadamente repousados em paisagens escandalosamente bonitas, copos de cerveja suados, drinks doces, coloridos e intragáveis, pratos de comida decorados, passeios de barco, mergulhos, looks do dia, selfies.

Vinte dias sem ler comentários de posts e reportagens. Vinte dias sem me deparar com gente que posta mensagem fofinha de Feliz Natal, pedindo mais paz e amor no mundo, mas chama os outros de lixo, vadia, modinha, fascista, viadinho.

Vinte dias sem ler comentários horríveis de gente que, em nome de religião, se organiza para fazer bullying na página alheia. Ameaça, ofende, atiça, provoca e depois reza por um mundo melhor.

Vinte dias sem ver gente que se emociona com o cavalo que chora a morte do dono, mas procura razões para que uma mulher fosse morta pelo ex-marido. Como se alguém merecesse morrer, dependendo do pecado cometido na avaliação desta tribuna implacável que são as redes sociais. Morreu? Peraí, quero saber antes se não merecia.

Vinte dias sem perder horas do dia em discussões intermináveis com pessoas que não estão nem um pouco a fim de dialogar, mas apenas enfiar goela abaixo –dos outros– suas convicções, seu modo de vida, seu moralismo, sua desinformação, sua pobre interpretação de texto.

Vinte dias sem ler a opinião de gente que tem opinião sobre tudo, mesmo que não entenda bulhufas do assunto, não tenha lido a reportagem ou a crônica, apenas o título, mas sempre tem algo a dizer, mesmo que não tenha entendido o que estava escrito. De preferência algo que machuque, que agrida, que insulte.

Vinte dias de férias. O sono vem fácil, as noites são tranquilas, os dias passam mais devagar, o coração não tem solavancos, a ansiedade desaparece.

Não foram o par de chinelos, a leitura leve, as manhãs de sol, o mergulho na água morna, o cochilo na areia, a vida sem pressa. Foi o detox nas redes sociais, e com ele a pausa nas tretas, na vaidade, no vício de ter opinião sobre tudo, de ser ouvido, de pregar para convertidos, ganhar likes, aplausos e de conviver com a podridão do mundo.

Vinte dias depois e eu continuo firme e forte com meu par de chinelos e a vontade de ficar "limpa" nas redes sociais. Nesta quarta, quase fraquejei. Que a força esteja comigo.


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