Folha de S. Paulo


RIP futebol brasileiro

Jorge Araújo/Folhapress
BARCELONA, ESPANHA, 02-07-1982: Futebol - Copa do Mundo, 1982: o jogador Falcão da Seleção Brasileira, durante jogo contra a Seleção da Argentina, válido pela Copa do Mundo de 1982, no Estádio Sarrià, em Barcelona (Espanha). O Brasil derrotou a Argentina com placar de 3 a 1, na Segunda Fase da Copa do Mundo 1982. O placar da partida foi construído por Zico, Serginho Chulapa e Júnior, para o Brasil, e Diaz, para a Argentina. Pela Argentina, Maradona foi expulso. (Foto: Jorge Araújo/Folhapress)
Falcão (centro) em ação pela seleção brasileira

Há alguns anos, estava com minha mãe em um restaurante em Roma, na Itália. O garçom, ao perceber que éramos brasileiras, perguntou: quem foi o oitavo rei de Roma? Minha mãe, sem titubear, respondeu: Falcão.

Como se sabe, o jogador conquistou o coração dos torcedores ao ajudar a Roma a voltar a ser campeã nacional. E nós ganhamos entradinhas, sobremesa e vinho de cortesia do garçom/torcedor, eternamente agradecido ao Falcão. Lembro de ter sentido orgulho naquela noite. Por Falcão, pelo futebol brasileiro, por ser brasileira e ser associada a acontecimentos positivos na vida de uma pessoa desconhecida.

Nem Carnaval, nem samba, nem praia. O futebol brasileiro ainda é nosso maior embaixador em terras estrangeiras. Apesar dos pesares. Em três semanas de viagem pela Tailândia, com uma parada em Dubai, não houve uma única vez em que eu dissesse ser brasileira e o interlocutor não fizesse, muitas vezes num escasso inglês, a conexão direta entre Brasil e futebol.

Nenhuma menção à Olimpíada, mesmo que tenhamos feito um evento superlativo. Metade da população acompanhou os jogos (mais de três bilhões de pessoas) e a repercussão em redes sociais foi sete vezes maior do que a de Londres-2012. Um tanto frustrante, porque há pouco do que se orgulhar do nosso futebol hoje em dia.

Confesso que fiquei um pouco sem graça, monossilábica, sem conseguir compartilhar do entusiasmo com o qual as pessoas falavam de um assunto do qual criei a maior antipatia: a seleção brasileira.

Num ano em que vimos políticos e empresários sendo presos como nunca se viu na história deste país, o comando da entidade que controla o maior patrimônio esportivo brasileiro continua nas mãos de gente enrolada até o pescoço com as autoridades internacionais.

Às vezes, me pergunto que cartas na manga tem o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, para contar com tanta complacência de todos os outros dirigentes da entidade e também da FIFA, que até agora não mexeu um palito para afastá-lo da direção.

A questão principal não é sobre Del Nero não poder ir nem ao Paraguai porque teme ser preso pela Interpol. Tanto melhor se ele não acompanha o time em competições internacionais. Desse vexamão nos livramos, obrigada.

O problema é ele continuar livre, leve e solto aqui mesmo no Brasil e termos que engolir a sua presença no episódio mais triste do esporte brasileiro em anos. Estava lá, ele, no velório do time da Chapecoense. Foi de embrulhar o estômago e não era só pela tristeza da tragédia.

Sinto uma vergonha enorme em morar num país em que nossas autoridades estão prestes a engavetar a CPI que investiga as irregularidades pelas quais os americanos querem colocar nas grades Del Nero e Ricardo Teixeira junto com José Maria Marin. Que piada nós somos.

Todos negam as acusações. Marin se recusou a fazer acordo de delação com a Justiça americana. Seu julgamento está previsto para novembro e ele aguarda em prisão domiciliar em seu apartamento na Trump Tower, em Nova York.

Perdemos um time inteiro de futebol, mas tem outro que continua a agonizar em praça pública: a seleção brasileira por meio da entidade que a comanda. RIP (descanse em paz).


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