Folha de S. Paulo


Rio dá festa, mas não paga conta

Não tinha nem amanhecido quando ouvi o barulho forte de helicópteros. Algo nada comum, a não ser quando tem perseguição a bandido. No mês passado, ouve intensa troca de tiros na favela Pavão-Pavãozinho, que causou pânico, fechou o comércio de Copacabana, Ipanema e Lagoa.

Talvez fosse uma reedição daquele terror que acabou com três defuntos. Não era. Sem mortos ou feridos, a operação que aconteceu longe da favela, mas no metro quadrado mais caro do Brasil, prendia um bandido tão perigoso quanto os que morreram no confronto com a polícia, o ex-governador Sérgio Cabral.

O Rio teve Copa do Mundo, fez festa para o papa, sediou Olimpíada e Paraolimpíada com louvor, para orgulho dos seus moradores, que na maior parte do tempo achavam que as críticas à cidade, aos gastos, à falta de transparência eram apenas mau humor e torcida contra da imprensa.

Reginaldo Pimenta - 17.nov.2016/Ag.O Globo
O ex-governador do Rio Sérgio Cabral, foi preso na Operação Calicute, desdobramento da Lava Jato; ele é suspeito de receber propina em obras do governo
Sérgio Cabral, foi preso na Operação Calicute, ele é suspeito de receber propina em obras do governo

A conta da esbórnia carioca chega aos poucos.

No começo de outubro, Cabral já havia sido condenado em segunda instância a ressarcir os cofres públicos por conceder isenção fiscal de forma irregular à francesa Michelin.

Os benefícios fiscais de R$ 1 bilhão foram dados dois meses após a empresa ter doado R$ 200 mil à campanha de Cabral ao governo do Rio, em 2010, informação revelada pela Folha.

Calma, que tem mais. A folha de pagamento começou a ser paga com atraso no final de 2015, mas apenas em maio, quando aposentados deixaram de receber, educação e saúde ficaram à beira do precipício, e nem dinheiro para gasolina das viaturas policiais tinha, ficou evidente o tamanho da encrenca.

Entre 2008 e 2013, o governo do Rio, concedeu quase R$ 140 bilhões em isenções fiscais, segundo o Tribunal de Contas do Estado. Tudo na caneta do excelentíssimo governador Sérgio Cabral.

Outra acusação que pesa sobre Cabral é a cobrança de 5% (cerca de 5 milhões) nas reformas do estádio do Maracanã, para a Copa de Mundo de 2014. O evento, todo mundo lembra, foi um sucesso, mas é só olhar com um pouco de atenção para perceber que o dinheiro da propina deve ter sido economizado no acabamento da obra. Mas todos nós aplaudimos a festa.

Aos poucos, ficamos sabendo que as contas desses eventos espetaculares não param de chegar. A revista "Veja" publicou nesta semana que apenas 30% do dinheiro prometido pelo Comitê Olímpico Internacional à organização dos Jogos foi pago.

O governo federal prometeu 120 milhões para as cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos, mas só entregou metade. A Prefeitura do Rio tinha o compromisso de bancar R$ 150 milhões da Paraolimpíada, mas até agora só desembolsou 1/5 desse valor. Dá para imaginar a quantidade de gente levando calote?

A ressaca que se vive no Rio é muito pior do que a que enfrentamos depois de tanta festa na Copa e com o final dos Jogos Olímpicos. A dor de cabeça é grande, o gosto na boca, amargo. O Rio parece aquele tio, velho e falido, que não perde a pose, capricha na banda, nos canapés, serve champanhe, posa para as colunas sociais, mas quando as luzes se acendem a realidade é outra.

Há credores na porta, empregados sem receber, gente passando necessidade. O Rio não merece isso, tampouco seus moradores, que pagarão por anos uma conta salgada e indigesta de festas nababescas, feitas com cofres furados.


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