Folha de S. Paulo


Após gringo ser hostilizado, cai novamente o mito do brasileiro cordial

Quem gosta de viajar sabe que não são só as paisagens deslumbrantes ou a culinária exótica fazem a experiência inesquecível. O contato com a cultura local por meio da interação com o povo nos abastece a memória afetiva.

A Tailândia, por exemplo, me marcou mais pela simpatia com a qual seu povo recebe turistas do que pela comida, maravilhosa, que eu posso encontrar a poucas quadras de casa. Não conheço povo mais sorridente.

No Japão, lembro-me de estar perdida numa enorme estação de trem, sem saber onde era a saída certa. Duas japonesas se ofereceram para me acompanhar. Uma quis carregar minha mala, o que obviamente não permiti. Só sei dizer "obrigada" em japonês, mas esse tipo de atitude se repetiu ao longo de duas semanas. Não sei se gostei mais do Japão ou dos japoneses.

Foi uma surpresa desagradável ver o post de uma moradora do Rio, que se recusou a ajudar um gringo, mesmo sabendo falar inglês. "You're in Rio for the Olimpic (sic) Games and does not speak Portuguese? Please... Segue em frente e vira a (sic) direita que tu chega no metrô! Gringo tá no Rio e eu tenho que falar inglês?"

Apesar de ter sido bastante criticada, a atitude foi comemorada massivamente. Antes de ser deletado, o post tinha mais de 72 mil likes, hahahas e coraçõezinhos. "Eles que aprendam português." "Rindo alto." "Mitou." "Pedala, gringo." "Vai, malandro, rala o peito."

Cai mais uma vez o mito do brasileiro cordial. Essa lenda de que somos o povo mais hospitaleiro do mundo. Vemos todos os dias que temos entre nós machistas, homofóbicos, racistas, xenófobos. Tem gente boa e ruim aqui, como no mundo todo. E a intolerância dá as caras das formas mais brutais às mais ignorantes.

Nós nos recusamos a dar informações a quem precisa, cobramos R$ 250 numa corrida de táxi do aeroporto, vaiamos a delegação da Argentina na abertura da Olimpíada e nossos oponentes nas arenas, xingamos atletas em redes sociais, chamamos Rafael Nadal de "maricón".

Andre Durão /"Globoesporte.com"/ NOPP
TENIS -BELLUCCI x NADAL ( QUADRA CENTRAL) - RIO DE JANEIRO 12/08/2016- DURANTE AS OLIMPIADAS DO RIO 2016. FOTO ANDRÃ DURÃO/Globoesporte.com/NOPP
Nadal comemora vitória sobre Thomaz Bellucci na Rio-2016

Mas nem todos somos assim. Queria encontrar o gringo hostilizado e dizer que boa parte do brasileiros se desdobra para se comunicar, que abre as portas de casa pra desconhecidos, que aplaude em pé a delegação de refugiados, que toca "Dança do Ventre", do É o Tchan, para as egípcias se sentirem em casa. É o brasileiro afetuoso e o da zoeira light.

Lembro na abertura quando uma chinesa disse que a melhor coisa do Brasil é o brasileiro. Contou que estava perdida no Maracanã e uma boa alma largou o que estava fazendo para ajudá-la.

Que até o fim da Olimpíada e, sempre, nossos visitantes tenham a sorte de encontrar mais brasileiros generosos do que esse tipo esperto, egoísta e hostil que se recusa a ajudar o próximo.

Chamada - Rio 2016


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