Folha de S. Paulo


O gol contra de Romário

Nossos parlamentares não se cansam de conspirar contra nós. É tanto tanto despautério que a cada dia me convenço de que o Brasil não corre o menor risco de dar certo.

A última veio do senador Romário (PSB-RJ). Ele acaba de aprovar uma emenda ao projeto de lei 522/2013, do senador Alfredo Nascimento (PR-AM), que trata das relações profissionais de técnico ou treinador profissional de modalidade esportiva coletiva.

Com a emenda, ex-atletas poderão exercer a atividade de técnico desde que comprovem, no mínimo, cinco anos de atividade. Isso mesmo. Poderão sentar na cadeirinha de técnico, com prancheta e tudo, ex-atletas que nunca frequentaram uma faculdade e nunca foram avaliados como todos os profissionais que enfrentam uma jornada de 3.200 horas de curso.

Desde 1993, os técnicos de futebol ficaram livres dessas obrigações, graças a uma dessas emendas. Azar nosso. Dunga está aí pra provar que não basta saber fazer para bancar o professor.

Ao anunciar a aprovação da emenda em sua página no Facebook, o senador foi bombardeado com críticas de profissionais da área e de cidadãos que enxergam nisso um retrocesso, em momento em que a profissão já vem sendo praticada por muita gente sem formação.

Conversei com um preparador físico, que tem entre seus atletas lutadores de kickboxing. Ele diz que um deles dá aulas para crianças, usando métodos e técnicas não apropriadas para aquela faixa etária. Não é exceção, ele garante.

O mesmo tem acontecido Brasil afora com a febre dos "digital influencers", os influenciadores digitais, gente sem nenhum tipo de formação que faz dinheiro disseminando em suas redes sociais conhecimentos que ganharam com a prática. Musos e musas fitness acabaram na mira dos conselhos de educação física. Um deles chegou a ser autuado por dar aula sem licença.

Agora mais essa. O Conselho Federal de Educação Física emitiu nota de repúdio à emenda de Romário. Estão certos. A medida beneficia apenas ex-atletas, que muitas vezes acabam sem uma profissão quando suas carreiras terminam.

"O que fizemos foi regularizar uma realidade. Quantos formandos em educação física se revelaram técnicos de futebol, de vôlei ou basquete? As faculdades não têm formação específica. Alguma tem disciplina de técnico em pólo aquático ou técnico de golfe? Vamos negar aos campeões dessas modalidades ensinarem às novas gerações?", justificou o senador à Folha, por email.

"Se formos rigorosos com a lei, o técnico Dunga terá que largar a seleção. De repente, isso vai até ser muito bom para o time, mas não é legal negar a ele e tantos outros o direito dessa prática".

As questões são pertinentes, mas a solução é paternalista. Em vez de estimular a qualificação dos atletas e mudar a estrutura de ensino, a medida passa rasteira em profissionais que investiram na formação e coloca no mercado gente sem conteúdo necessário para treinar alguém.

Pensando bem, faz todo sentido. Até poucos dias, o Ministério do Esporte era comandado por George Hilton, que assumiu que não entendia "profundamente de esporte". Parece que ninguém precisa entender profundamente. Se Romário nunca tinha feito gol contra na carreira, conseguiu o feito agora e fora de campo.


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