Folha de S. Paulo


Terapia de casal

Nem um ano de namoro/casamento e meu namorado, quer dizer, marido, quer dizer, eu mesma não sabia como chamá-lo ainda, diz que a gente não estava se entendendo e que uma terceira pessoa poderia ser a salvação da nossa relação.

Ménage a trois? Casa de swing? Troca de casais? Orgia?

A gente espera tudo de um homem para dar uma levantada em relacionamentos caídos, mas nunca que ele sugira um terapeuta de casal. Fazia sentido. Nossos problemas não estavam na cama, mas fora dela.

Ele falava A, eu entendia B. Eu pedia, ele achava que era ordem. Talvez eu tenha sido mandona. Talvez. De uma hora para outra, parecíamos duas crianças fazendo birra, testando a paciência um do outro, cada um de um lado de uma cabo de guerra imaginário, de onde os dois sairiam machucados e perdedores.

Terapia, psicanálise, análise, qualquer coisa que remeta a um consultório onde você contará que não consegue se acertar com você mesmo aterroriza nove em dez pessoas.

Terapia de casal é pior. É o atestado de que você não sabe fazer a coisa mais simples do mundo que é se relacionar com quem você gosta. OK, não é tão simples. Então, você precisa de alguém que mostre que pode ser simples, mas a gente complica.

É claro que as pessoas passam por esse vexamão para terminar relacionamentos e não para salvá-los, sempre pensei. Todo mundo imagina a mesma coisa. Quem encara lavagem de roupa assim, profissional, quer apenas uma certeza validada, com firma reconhecida, de que não dá certo mesmo.

Mas foi com a proposta de juntar nossos caquinhos que me vi sentada em frente a uma salvadora de relações despedaçadas ou a caminho disso.

E se nessa altura da vida eu não sabia o que era uma prova de amor, ela estava ali, ao meu lado. Quantos homens e mulheres tem estômago para ouvir que são egoístas, intransigentes, bagunceiros, cabeças duras, ciumentos, possessivos, inseguros, chatos, ranzinzas, displicentes, mal humorados?

Quanta gente é capaz de ouvir e reconhecer que tem defeitos insuportáveis - e a gente tem defeitos insuportáveis, e ainda assim querer continuar com aquela pessoa? E quantos estão dispostos a mudar ou, ao menos, controlar essas coisinhas, esses detalhes, esses defeitinhos que tanto incomodam o outro?

Nós dois.

Ninguém resolverá questões morais numa sessão de terapia. Nem análise salvaria se ele fosse um cara que estaciona o carro em vaga de deficientes, é réu na Lava Jato ou espera que eu faça o jantar e lave suas cuecas.

É difícil resgatar um casal que não tem afinidades, planos em comum, valores, admiração mútua. Timing também é importante. Não adianta um querer ter um filho, enquanto o outro planeja dar a volta ao mundo de mochila.

Aos olhos de amigos e de conhecidos, somos um casal perfeito. Perfeito, mas cheio de imperfeições. E só sobrevivemos a elas porque tivemos alguém experiente para dizer, "vocês estão fazendo bobagem".

Todo mundo fica surpreso quando conto. Como assim, vocês não foram "felizes para sempre" desde sempre? Pois é. Terapia de casal é a antítese do romantismo. É como se a gente quisesse encaixar uma tampa torta na panela. O fato é que dá para desentortar e encaixar direitinho, mas é preciso querer muito.

A gente ainda briga –oh, se briga, fica de mal e dorme de bunda. A diferença é que morremos de saudade quando estamos assim. Mas até os desentendimentos são diferentes. Perderam aquele ar de dramalhão mexicano. Um dos dois logo levanta a bandeira e propõe que façamos as pazes. Aprendemos na sessão "como brigar", da terapia. Não teve isso, mas quase isso.

Foram três meses de tratamento. Na primeira sessão, a psicóloga disse que 60% dos casais chegam ali apenas para terminar a relação de forma menos dolorosa. Os homens geralmente vão arrastados. Que coisa, homens.

Por que a gente brigava? Por bobagens. E teria sido uma bobagem ainda maior não fazer nada por nós dois. Tivemos alta.


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