Folha de S. Paulo


Como será o amanhã?

Ontem, quando os primeiros raios de 2016 iluminavam o horizonte escuro, eu estava na fila de um banheiro mal cuidado e fedorento na praia do Arpoador, no Rio.

Por pouco não perco a aurora num dia em que a paisagem fazia jus ao título de Cidade Maravilhosa. Os gringos devem ficar loucos, pensei. Com a beleza escandalosa da cidade e sua total desorganização.

Lá se vão mais de seis anos desde que o Rio venceu a disputa para sediar a Olimpíada. E cá estamos com o evento batendo à porta. Ainda que houvesse alguma resistência, o fato é que em 2009 o clima era de otimismo em relação à economia e à estabilidade política.

Chegamos a 2016 sem uma coisa ou outra. O que temos é um certo clima "não vai ter Copa", mesmo sabendo que haverá Olimpíada. A diferença é que o desânimo não tem a ver com os preparativos do evento.

Em 2011, as maiores críticas eram fruto do atraso das obras. Estádios que ficaram mal e porcamente prontos aos 48 do segundo tempo. Aeroportos que nunca ficaram prontos. Quase dois anos depois da Copa, apenas agora o Galeão começa perder a cara de rodoviária abandonada.

Sabe-se que as arenas e espaços esportivos para a Rio-2016 serão finalizados. Muitos deles já receberam eventos-teste. Por outro lado, temos o maior fiasco de compromisso olímpico não cumprido, que é a despoluição das águas que banham a cidade.

Apesar de o governo estadual garantir que a Linha 4 do metrô será entregue, as notícias são de que as obras estariam atrasadas e que a estação Gávea sequer será inaugurada.

Os jogos acontecerão, não há dúvida. Governos se viram daqui, apertam de lá, ignoram compromissos na maior cara de pau e, com ou sem metrô, com a baía imunda ou não, o Rio talvez faça uma das Olimpíadas mais inesquecíveis da história.

O problema é ignorar o desânimo da população ao ver obras faraônicas sendo construídas, enquanto não tem o básico. Apesar dos índices de violência divulgados apresentarem queda, a sensação de vulnerabilidade é generalizada. Domingo, eu passava de bicicleta por Ipanema, quando fui atropelada por pedestres que fugiam, desesperados, de um arrastão na praia. A polícia disse que o tumulto e a correria se deram por causa de uma briga.

Não foi o que presenciei. Caída no chão, com os joelhos em carne viva, vi um homem arrancar um guarda-sol, onde havia bolsas penduradas, e correr. Outro empurrou uma mulher e pegou algo, antes de sumir no meio da multidão.

Na noite do Réveillon, pessoas também correram assustadas da praia do Leme. Enquanto os fogos pipocavam em profusão no céu, marginais em profusão roubavam celulares na areia.

Há outros problemas que afetam o entusiasmo da população e aumentam a rejeição ao evento. A falência da saúde, a crise hídrica, que deve dar as caras no Rio de Janeiro este ano, e a crise energética que prevê mais aumentos de tarifa. Haja espírito esportivo.

Há dois dias estive no Museu do Amanhã, que é parte dos projetos de reurbanização. Na verdade, perambulei pelo entorno e desisti por causa das filas.

Fiquei curiosa para saber como será o Amanhã. O museu. O futuro da cidade do Rio de Janeiro me parece como o amanhecer do meu primeiro dia do ano: lindo e mal cuidado. Haja legado olímpico.


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