Folha de S. Paulo


Eu estava errada

Logo depois que Gabriel Medina conquistou o primeiro título para o Brasil na WSL (World Surf League), no final de 2014, escrevi aqui que gostaria de dividir o mesmo otimismo com o atleta, que dizia esperar que, a partir daquele feito, o surfe tivesse mais destaque no Brasil.

Macaca velha e acostumada a ver talentos individuais se destacarem, promoverem um esporte e depois caírem no ostracismo, achei ingênuo que Medina acreditasse nisso. Gente jovem e sonhadora.

Acompanhei o boom do esporte por aqui na metade dos anos 1980, quando a Hang Loose, marca de roupas e equipamentos esportivos, colocou a praia da Joaquina, em Floripa, no mapa dos campeonatos mundiais.

Vi nomes bacanas surgirem como Picuruta Salazar, Rico de Souza, Teco Padaratz, Victor Ribas, Neco Padaratz, Fabio Gouveia, Peterson Rosa. Mas eram todos nomes conhecidos de gente que gosta do esporte ou da badalação na areia em torno do esporte –mais o meu caso.

O Brasil demorou 30 anos para chegar à elite do surfe e eu achei que eram desses acasos. Pensei que Medina seria nosso Gustavo Kuerten da vez. Guga é um dos atletas brasileiros mais brilhantes, mas não trouxe outros tenistas em seu rastro. Até hoje ele permanece nosso único grande ídolo nas quadras de tênis.

Achei que aconteceria o mesmo com Gabriel Medina. Estava errada. Que bom estar errada.

Pelo segundo ano consecutivo, a WSL tem um campeão brasileiro e não é Medina. Adriano de Souza, o Mineirinho, conquistou o título, vencendo a etapa mais importante do circuito, o Billabong Pipe Masters, no Havaí.

Esses caras não estão para brincadeira. A decisão foi justamente contra o então campeão do mundo de 2014. A primeira final brasileira na meca do surfe mundial. Aquele tipo de coisa que a molecada deve sonhar desde que ganha uma prancha de isopor.

Medina fez uma campanha fantástica e termina o campeonato em terceiro lugar. Ainda temos Filipe Toledo em quarto e Ítalo Ferreira, em sétimo. Não acabou. Caio Ibelli foi campeão da WQS, a divisão de acesso ao circuito mundial, que ainda tem outros quatro brasileiros entre os dez melhores.

Ter mais de um atleta na elite de um esporte individual não é acaso, bênção, sorte. É a prova de que a modalidade, enfim, amadureceu e que o talento de cada um contribui para que as campanhas sejam tão robustas, vencedoras e inspiradoras. E então o país é reconhecido por isso.

Claro que é um exagero afirmar que o Brasil é agora o país do surfe, como ouvi e li em vários lugares desde ontem. O Brasil é e vai continuar sendo o país do futebol por muito tempo, mesmo que, por ora, esteja desacreditado, afundado em corrupção e má gestão.

Lembro de Guga contar que, no auge da carreira, ele chegava ao interior do país com sua raquete dentro do estojo e muita gente perguntava em qual banda ele tocava. Muita gente nunca tinha visto uma raquete, nem sabia quem era Guga, mesmo no auge de sua carreira.

O surfe brasileiro desabrochou, enfim, mas Medina, Mineirinho e tantos outros vão continuar desconhecidos de uma parte do público. Gente que vai passar a vida sem colocar os pés numa praia, mas sabe desde cedo como é uma bola de futebol.

Bem, posso estar errada em relação a isso também. Tomara.


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