Folha de S. Paulo


Apertem os cintos, as milhas sumiram

Então, aconteceu comigo o que a gente acha que só acontece com os outros. Ou nem sabe que acontece. Surrupiaram 115 mil milhas do programa fidelidade que eu tinha em uma companhia aérea. E a sensação é a mesma de quando clonaram meu cartão do banco e sumiram com o dinheiro.

Primeiro, fiquei doida da vida e depois senti uma impotência enorme.

As milhas que eu usaria em janeiro, alta temporada, quando um bilhete para Bahia custa o mesmo do que uma para Nova York, financiaram uma passagem de Teresina para Belo Horizonte, e outras duas de Uruguaiana para Porto Alegre.

Não conheço Teresina e muito menos Uruguaiana, e também não conheço ninguém nessas duas cidades. A única coisa que pensei foi: ferrou, lá se vão as minhas férias.

Descobri que golpes com milhas aéreas não são exatamente algo novo, mas o número de fraudes aumentou muito nos últimos anos quando os bancos conseguiram melhorar a segurança no uso de cartões de crédito ao implementar o uso de chips, por exemplo.

Bandido é bandido. Perde um filão e logo arranja outro.

Não vou dizer aqui qual foi a companhia aérea com a qual tive o problema, porque as fraudes não são exclusividade em seu programa. Todos os clientes de programas de fidelidade estão sujeitos a passar por isso.

Quero dividir o que aprendi, pesquisando na internet e ao conversar com o diretor de comunicação da empresa, que me explicou o que eles têm feito para proteger o cadastro dos clientes, mas principalmente o que podemos fazer para não cair nessa.

Ter um computador imune a vírus não é suficiente. Os fraudadores de milhas têm usado o phishing, comum no setor bancário, que é a criação de páginas falsas com solicitações da companhia.

O meu caso parece ter sido esse. Eu devo ter recebido um email pedindo a atualização dos dados ou mudança da senha, ou um aviso de expiração de milhas e, sem imaginar que estava caindo numa arapuca, caí.

Ao clicar naquela página, provavelmente fui direcionada a uma URL falsa e ao digitar as informações, bingo, os bandidos tiveram acesso não apenas a minha senha, mas a todos os mecanismos para operar minha conta e, o que me deixou mais apavorada, aos meus dados pessoais.

CPF, RG, endereço, telefone, email. Se estivessem lá tipo sanguíneo, número do calçado e comida favorita, a essa altura os larápios já saberiam. Podem inclusive me ligar para me dar os parabéns pelo meu aniversário que é logo mais.

Impossível não me sentir meio otária, e totalmente vulnerável. Jamais clico em links de banco. E ainda recebo alguns com certa frequência, o que significa que, se o golpe com o link do banco ainda está por aí, ainda tem gente caindo no golpe.

Perguntei a várias pessoas. Poucas já tinham ouvido falar desse tipo de gatunagem com milhas e nenhuma havia sido vítima dela.

E quem está por trás da bandidagem? Supostos agentes de viagem, funcionários de companhias aéreas ou dos prestadores de serviço que administram os programas, esquemas aparentemente legais de compra e venda de milhas.

Pois é.

Um das orientações que recebi foi entrar em contato com as empresas aéreas e comunicar qualquer email suspeito. Dessa forma, as empresas conseguem derrubar o servidor imediatamente, para que outras pessoas não sejam prejudicadas, e avisar a polícia.

Desconfie de emails com mensagens de suspensão da conta, de bonificações, de prêmios com milhas. Essas coisas simplesmente não caem do céu, mesmo quando vêm de uma companhia de aviação.

Se ficar em dúvida, abra uma página no seu browser e digite o nome da empresa para acessar sua conta e seus dados. Não clique em links, companhias aéreas não mandam emails com links, tive que aprender da forma mais amarga possível.

O mesmo vale se um suposto funcionário ligar para atualizar seus dados e pedir que você confirme informações, fale ou digite sua senha. Apenas diga 'não, obrigado', e entre em contato com a empresa.

Todos os cuidados que temos com nossa conta bancária servem para os programas de milhagem. Tenha sempre um antivírus atualizado, não use computadores públicos (lan house, salas Vips, hotéis) e redes wifi abertas para acessar sua conta de milhas, use senhas robustas, troque-a com frequência e cheque seu saldo semanalmente.

Sim, essa parte é chata, mas só descobri o rombo em minha conta um mês depois. As milhas foram emitidas e usadas no mesmo dia.

As pessoas que utilizam as milhas podem, em princípio, ser consideradas vítimas dos fraudadores. Em princípio. Geralmente, as passagens são vendidas por preços muito abaixo dos praticados pelas companhias.

Então, se um agente de viagem oferece uma tarifa muito diferente do que está nos sites, tem coisa errada aí. Desconfie porque, se for o caso, você pode estar comprando mercadoria roubada.

Foi lesado? Entre em contato com a empresa, se tiver acesso à conta (muitos fraudadores trocam a senha), informe bilhetes ou localizadores emitidos, faça boletim de ocorrência, se sua cidade tiver delegacia especializada em crimes virtuais, troque senhas de emails, bancos e contas acessadas pela internet.

As empresas têm mecanismos para verificar se houve fraude ou não na emissão das passagens, mas leva tempo, e exige paciência dos clientes até que sejam ressarcidos. Claro, há casos de gente que teve que levar o problema para a justiça.

É tudo uma chateação enorme. E agora, mais do que antes, preciso mesmo de umas férias.


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