Folha de S. Paulo


Mais Gugas, menos Neros

"A minha história, o que aconteceu comigo, é um milagre, praticamente impossível que aconteça de novo, porque as crianças brasileiras não têm oportunidades", disse o tenista Gustavo Kuerten, ao receber o prêmio de empreendedor social do ano, da revista "GQ", publicada pela Globo Condé Nast.

Engoli seco e vi gente ao redor disfarçando as lágrimas. Todo mundo conhece a trajetória de Guga, mas poucos sabem sobre o trabalho social que ele desenvolve há 15 anos, levando clínicas de esporte e reforço escolar a crianças carentes. Mais de 60 mil já foram beneficiadas.

O que me causou incômodo enorme nos últimos dias foi pensar por que há tão poucos exemplos como o de Guga, mas tantos, dezenas de Del Neros espalhados não apenas no esporte, mas em toda nossa sociedade.

Por que fechamos os olhos para tanta bandalheira e nada acontece? Todo mundo está cansado de saber que a CBF é uma máfia. Convivemos com escândalos que aparecem, desaparecem e caem no esquecimento. Só contra Ricardo Teixeira foram abertos 13 inquéritos que deram em nada.

Que vergonha depender da justiça americana para desmantelar essa quadrilha, encabeçada, hoje, por Marco Polo Del Nero, mas que já foi comandada por José Maria Marin, que já está preso, e por Teixeira, que acabou de ser indiciado junto com Del Nero.

Em maio, quando todo esse lamaçal começou a transbordar, a secretária de Justiça dos Estados Unidos Loreta Linch disse que "ninguém é grande demais para a cadeira. Ninguém está acima da lei". Só se for nos Estados Unidos. Aqui, é a festa do caqui em todas as instâncias.

A senhora Linch deixou claro que as investigações abrangiam duas décadas de dirigentes. Estava claro que mais gente seria presa. Alguém tinha dúvida que Del Nero era um deles? Como, então, esse senhor continuou até agora presidindo a entidade esportiva mais importante do país e ninguém se coçou?

Na terça-feira, os patrocinadores da FIFA, AB Inbev, Coca-Cola, Adidas, Mcdonalds e Visa, publicaram uma carta aberta pedindo uma supervisão independente no processo de reforma da entidade.

É a segunda vez que se manifestam. Na primeira, pediram a saída de Blatter. Estão certíssimos, têm reputações a zelar e se mostram transparentes ao se posicionar.

Por que os patrocinadores da CBF, entre eles, Nike, Vivo, AmBev, Itaú e Sadia continuam com as cabeças dentro do buraco? Conivência? Rabo preso? Culpa no cartório? Como chamamos a omissão dessas empresas?

É incompreensível que Dunga permaneça como técnico da Seleção Brasileira em meio a tudo isso. Não é possível que sua vaidade seja tanta que ele não perceba o quanto é imoral se manter no cargo, enquanto, um a um, as cabeças da CBF estão rolando em direção à cadeia.

Vou mais longe, por que os próprios jogadores não boicotam a entidade, as eliminatórias da Copa, e deixam claro que não compactuam com bandidos? Eu sei, vão dizer que estou louca, que isso seria suicídio, que também não pode ser por aí.

Mas qual é o caminho, a não ser ladeira abaixo?

Impossível olhar para todos esses acontecimentos e não concordar com Gustavo Kuerten. O que aconteceu com ele foi um milagre. E, embora eu não acredite em milagres, atualmente acho que apenas um daria jeito neste país.


Endereço da página: