Folha de S. Paulo


Parem de nadar com golfinhos

Ao dizer o que vou dizer, sinto como fosse uma vegetariana jogando na cara dos carnívoros que eles comem cadáveres. Mas estou disposta. Toda vez que vejo a foto de um amigo numa rede social nadando com um golfinho em algum parque aquático tenho vontade de falar: apenas pare.

Acabo controlando esse ímpeto irresistível que a gente tem de dizer o que os outros devem fazer. Não é impressionante como de uma hora para a outra todo mundo tem uma opinião sobre tudo que não lhe diz respeito?

Tenho tentado muito não ser essa pessoa na vida de amigos e conhecidos por duas razões. Para não me aborrecer e porque eu mesma não vou parar de comer bacon, seja porque a OMS decidiu que vou morrer por causa disso, seja porque alguma pessoa bem intencionada me mandou uma foto de leitões empilhados dentro de um caminhão.

A verdade é que golfinhos não são porcos, ainda que porcos também estejam entre os animais mais inteligentes do planeta. Mas porcos também não são fofinhos e não interagem com a gente como esses mamíferos.

Eu me conformei com o fato de que jamais vou nadar com golfinhos depois de ver o documentário The Cove, que ganhou o Oscar em 2010. E me senti mortinha de arrependimento depois de assistir Blackfish, lançado em 2013. Estive no Sea World, em Orlando, faz uns 15 anos e fiquei babando no espetáculo lindo com a orca Shamu. Comprei até uma de pelúcia, que guardo até hoje.

Os dois docs lançam uma luz horrenda ao que acontece em parques aquáticos ao redor do mundo, onde nós, mortais, achamos muito natural que golfinhos, baleias e outros bichos façam piruetas e estripulias dentro de piscinões.

Confesso, senti um remorso enorme por nunca ter pensando que manter todos esses bichos trancafiados fosse uma tortura. O que passa em nossa cabeça? Que eles passam os dias felizes, nadando nas profundeza do mar e chegam apenas na hora do show? A gente olha e os vê pulando pra cá e pra lá e temos a sensação de que estão felizes como a gente. Não devem estar.

Por mais espaço que esses piscinões pareçam ter - e agora me parece claro que não têm, deve ser como tomar banho no tanque de lavar roupa num dia quente de verão. É até divertido, mas jamais confortável. Imagine morar dentro do tanque de lavar roupa.

The Cove mostra a crueldade na captura de golfinhos na costa japonesa, onde acontece uma seleção de animais que são vendidos para os parques no mundo todo. Os que não são selecionados, acabam sacrificados numa pequena enseada, que vira um mar de sangue.

Tudo o que acontecia nesse lugar era feito longe dos olhos das pessoas até que o fotógrafo Louie Psihoyos embarcou numa missão com uma equipe de cientistas, especialistas em logística e mergulhadores para gravar na surdina a matança dos golfinhos.

Outra denúncia do documentário é que a carne de golfinho seria vendida como se fosse de baleia, ignorando um alerta de contaminação de altos níveis de mercúrio. Ou seja, nem dá pra dizer que é um alimento que mataria a fome das pessoas. Pelo contrário, pode estar matando pessoas.

Em alguns momentos parece que estamos vendo Missão Impossível. Uma das coisas mais emblemáticas do documentário é que ele tem por trás Rick O'Berry, um dos maiores treinadores de golfinhos, responsável pelos animais da série americana Flipper, que foi sucesso no Brasil, nos anos 1970.

O'Brian virou a casaca e resolveu lutar pela libertação dos golfinhos que vivem em cativeiros e já chegou a ser preso por isso.

Sobre Blackfish, talvez você tenha lido algo recentemente. Depois que o documentário foi lançado, as ações do Sea World despencaram 33% no primeiro semestre de 2014 e a empresa vem ladeira abaixo desde então.

Esta semana anunciaram que os espetáculos acrobáticos com baleias vão acabar em 2017, em uma das três unidades que abrigam esses animais, a de San Diego. Só em 2017? Por que apenas em uma das unidades?

Blackfish é um chacoalhão. Ele conta a história da baleia Tilikum, desde a sua captura na Islândia, até o envolvimento em três mortes, incluindo a de sua treinadora. Fala de maus tratos, tanques apertados e uma série de outros fatores que aumentaria o estresse dos animais e diminuiria sua expectativa de vida.

Alguém pode até dizer que eu deveria me solidarizar e parar de comer carne. Não é a mesma coisa. Adoro uma chuleta, um coração de galinhas, mas sou absolutamente contra rodeios, touradas, rinhas de galo, brigas de cão - e nem como cachorro.

Não se trata de comer algo que faz parte da cadeia de alimentação. Saboreei muito canguru quando morei na Austrália. Faz parte da cultura local e tem canguru pra chuchu por lá.

Estamos falando de submeter animais a condições degradantes apenas para nossa diversão. É cruel e egoísta. E depois desses dois documentários não tem a menor condição de achar graça de levar banho da Shamu ou de tirar foto com o primo do Flipper para postar no Facebook.

Posso viver sem essa. Minha consciência vai viver melhor. Acredito que todo mundo pode.


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