Folha de S. Paulo


Que bom que gostei de você

Nem a alma mais bondosa e desapegada do mundo não sentiria um gostinho doce de veneno escorrendo pela boca ao dar de cara com um ex que parece estar na pior. Mais gordo, mais careca, mais pobre, mais fracassado do que estaria se estivesse com você, esse último pauzinho da bateria do celular.

Não importa quem tenha dado fim à história. Não interessa se foi ele quem sumiu, parou de ligar, foi morar na China, se trocou você pela Miss Catanduva.

Ou se você achou mais legal fazer trabalho voluntário na África, transou com o melhor amigo dele ou ele viu fotos suas no Burning Man, correndo, pelada, no meio de outras pessoas peladas.

A gente tem uma coisinha horrorosa chamada orgulho, que não nos deixa resistir a sentir um prazer enorme em ver uma pessoa, com quem dividia o carregador do celular, na merda. Apenas porque não está com a gente.

Você olha pra ele, segurando a cintura da Miss Catanduva, vestindo aquela camisa de banda de rock que deixa o desenho da bateria em 3D por causa da barriga avantajada, e vai embora cheia de satisfação.
Mas nem toda história termina com a gente querendo que o outro morra de diarreia.

Me dei conta disso quando reencontrei um ex-namorado, com quem me relacionei durante oito anos. Ele parecia feliz, é bem-sucedido, namora uma garota bonita. Bem gente boa, viu?! Contou de uma viagem, mostrou as fotos. Perguntou da minha família. Me chamou pelo apelido que eu tinha quando estávamos juntos. Morremos de rir.

Me abraçou e disse com sinceridade: que bom te ver feliz. Nos despedimos e saí de lá arrependida por não ter dito "que bom que gostei de você".

É um baita alívio olhar para trás e pensar que mesmo os amores que não deram certo valeram a pena. Quando um amor acaba, fica a sensação, na maioria das vezes, que só sobra ressentimento. Se acabou, não foi bom. Se acabou, alguém foi filho da puta. Se acabou, acabou.

Mas nem todos os amores foram feitos para dar certo. A maioria deles acontece para dar errado mesmo. Só assim a gente cresce e aprende a se relacionar. Nem por isso não foram amores de verdade, com eu te amo, cafuné, conchinha, conversas na madrugada, planos que nunca se realizaram, promessas que foram esquecidas.

Pouca gente acerta de cara. Amores não dão certo por dezenas de razões. Hora certa, pessoa errada. Pessoa certa, hora errada. Pessoas certas, tudo errado. Tudo certo, pessoas erradas. Nem sempre a gente é adulto pra entender esses desencontros. Até as respostas para cada fim precisam de tempo para amadurecer.

E com elas as lembranças que ficam podem ser apenas as boas. Não tem nada de saudade, de arrependimento, de vontade de reviver. Apenas a constatação de que foi bom. E nossa vida amorosa vai sendo construída por tombos, abraços, beijos, despedidas e boas recordações.

Pra mim, pessoas que se relacionam de alguma forma com ex-namorados, namoradas, maridos, mulheres, casos, peguetes são de certa forma mais confiáveis. Significa que apesar dos pesares a parte boa daquela relação superou tristezas, mágoas, barracos e as rupturas do fim.

Não sinto ciúme das ex-namoradas do meu marido. Acho saudável que tenha sobrado amizade da história que tiveram. Imagino que ele tenha sido um cara legal para elas.

Pode ter certeza. Ex-casais que não se falam, não se dão, não se frequentam, se detestam é porque um dos dois fez merda. E isso diz muito sobre o caráter da pessoa que cagou a relação.

Sim, tem gente que prefere não ter contato. Mas não ter contato não significa ter raiva.

Pense nas pessoas que passaram por sua vida. Em quanta coisa boa lhe trouxeram. Tive vontade de falar para cada um deles. Marcio, André, Felipe, Jim, Diego. Obrigada por ter me amado. Que bom que gostei de você.


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