Folha de S. Paulo


Natação salva vidas

"A natação é o único esporte que salva vidas", me disse o nadador Thiago Pereira, o Mister Pan. Por mais óbvio que pareça, nunca tinha parado para pensar nisso.

Esse papo aconteceu num encontro inesperado. Estávamos sozinhos em uma sala, esperando para sermos entrevistados por Jô Soares. E foi ali que ele contou, antes para mim e depois para o Jô, que a natação só entrou em sua vida aos dois anos e quando ele quase se afogou.

"Estava na casa de um tio e pulei na piscina. Só não aconteceu o pior porque um primo me salvou. Por isso, minha mãe decidiu que eu deveria aprender a nadar."

Thiago poderia ter entrado para a triste estatística de mortes por afogamento, onde o Brasil aparece em terceiro no ranking, atrás de Japão e Rússia. No ano passado, a OMS (Organização Mundial de Saúde) divulgou o Relatório Global sobre Afogamento: Evitando uma das Maiores Causas de Morte.

Não é à toa que temos um campeão que pretende se dedicar a trabalhar com o esporte depois de sua aposentadoria, mas não apenas com atletas de ponta. "É uma das principais causas de mortes entre crianças e adolescentes. Todo mundo deveria aprender a nadar, e eu quero me empenhar para que a natação chegue a um número maior de pessoas, não necessariamente como esporte, mas como prevenção de acidentes", disse.

Ele está certo. Afogamento está entre as dez principais causas de mortes de crianças. O maior índice acontece entre as de até cinco anos. Mais da metade das pessoas tem menos de 25.

Assim como Thiago, aprendi a nadar cedo e vivi um episódio em que quase morri ao tentar salvar a babá de minha irmã, com quem eu brincava em cima de uma prancha de windsurfe. A maré nos arrastou, e ela caiu da prancha. Tentei ajudá-la, mas ela, maior do que eu e no desespero, me afundou.

Eu só tinha oito anos. Só fomos salvas porque um pedreiro nos viu, pulou na água e conseguiu segurá-la, antes que ela me afogasse tentando se salvar.

Porque Thiago tinha um primo que sabia nadar, porque o pedreiro sabia nadar e porque eu aos oito anos já sabia nadar, estávamos nos dois batendo papo na última terça-feira. No entanto, centenas de milhares de histórias são interrompidas porque as pessoas não têm o mínimo de conhecimento para se proteger.

São 372 mil mortes por ano no mundo, aproximadamente 6.000 no Brasil. A OMS calcula que os números sejam ainda maiores porque não entram nas estatísticas suicídios, homicídios, alagamentos, cheias e naufrágios.

As recomendações para que tantas vidas não se percam são simples na teoria: instalação de redes de proteção, ensino de noções básicas de natação nas escolas e de técnicas de salvamento para quem frequenta praias, piscinas, lagos e rios.

Na prática, sabemos que no Brasil muitas crianças têm pouco ou nenhum contato com qualquer tipo de esporte. Como Thiago me disse, não é questão de desenvolver uma habilidade, mas de sobrevivência.

Eu sabia o suficiente sobre o ídolo, pouco sobre a pessoa. Em 15 minutos, deu pra ver que Thiago Pereira é uma cara boa praça, bem intencionado, que pode deixar um legado maior do que uma coleção de medalhas. Pode ajudar num futuro não distante a salvar vidas mesmo fora d'água.


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