Folha de S. Paulo


Álcool nos deixa mais sinceros

O que foi dito bêbado, foi pensado sóbrio, dizem por aí. Essa não é uma conclusão minha, mas de um estudo feito pela Universidade do Missouri, nos Estados Unidos, pelo médico Bruce Bartholow. Digo mais: o que foi feito bêbado, foi planejado de cara limpa.

Bartholow contesta algumas pesquisas, como uma feita no começo dos anos 2000, na Holanda, que concluiu que a intoxicação causada pelo álcool reduz a capacidade do cérebro de detectar quando a gente está prestes a fazer algo de que vamos nos arrepender. Em bom português, uma cagada.

Amigos, vamos ser sinceros. Aquele dia que você mandou uma mensagem cheia de saudade para a ex, na madrugada, a culpa foi do álcool ou do seu coração? E aquele outro dia em que você sensualizou com cadeira na festa de formatura, a culpa foi do álcool ou do fato de você estar se achando a gostosa do baile? E aquele happy hour em que você contou que a chefe está de caso com o rapaz do almoxarifado, a culpa foi do álcool ou da sua boca de matraca que não aguenta uma fofoca?

Eu mesma numa viagem, lembro que mandei uma mensagem num grupo de amigos dizendo que estava tomando um drinque para me encher de coragem e comprar uma bolsa carésima, que eu tinha amado. Eu sabia o que estava fazendo, só precisava de coragem. Uma coragem que o álcool dá artificialmente.

Foi isso que dr. Bartholow descobriu, que parece meio óbvio e no fundo muita gente já sabia. Ao contrário do que gostaríamos de acreditar, a gente sabe direitinho o que faz quando bebe demais. O estudo concluiu que o álcool muda a forma como o cérebro processa as besteiras que a gente, depois de beber e fazer, chama de besteira.

É como se ele desativasse o alarme que nos mantem alertas e diminui naquele momento sentimentos de culpa, vergonha e remorso. Então a gente vai lá, liga, manda mensagem, faz a fofoca, sensualiza com a cadeira, compra a bolsa cara, e só, então, depois que passou a pileque, morre de vergonha, remorso, culpa. E põe a culpa na bebida.

Eu brinco que fico rica quando bebo. Tem gente que fica corajoso. Tem gente que fica cara de pau. Tem gente que fica agressivo. Tem gente que fica facinho. Usar o álcool como álibi é confortável. A gente pode até enganar os outros, mas não engana a si próprio.

No fundo, você sabe que mandaria a mensagem, faria a fofoca, dançaria em cima da mesa, com a cara limpa mesmo, se não tivesse medo de ser julgado por quem quer que fosse ou que sua atitude tivesse consequências diferentes das esperadas. Mas não é assim.

Eu encaro o álcool como o soro da verdade para muita gente que é meio travada e precisa de um empurrão parar falar, agir e ser como gostaria.

Infelizmente usar a desculpa do álcool não cola no meu caso faz tempo. Mesmo sóbria, sempre fui mais sincera e impulsiva do que deveria. Doa a quem doer. Às vezes dói em mim. Às vezes nos outros. Tem um preço, mas ainda acho que mais vale a ressaca de ser verdadeiro do que se valer de álcool para ser de verdade.


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