Folha de S. Paulo


Não deixe para 2016 o que dá para fazer agora

Na semana que vem já é ano novo. Calma, não é que 2016 esteja atropelando o tantão de ano que ainda temos em 2015. Tem um bocado de meses pela frente. Mas como é verão no hemisfério norte entre junho e setembro, as férias escolares se dão nessa época e o ano acadêmico começa na semana que vem em muitos países.

Me dei conta disso quando perambulava em uma livraria em Toronto, no Canadá, e resolvi comprar uma agenda. Eu sei, tem o calendário do iPhone, que guarda tudo no iCloud e se conecta com meu iMac, mas eu gosto de agendas de papel.

Chamem de antiquado. Aceito. Chamo de mania. Gosto do cheiro, de folhear as páginas, de rabiscar tudo, e tenho uma impressão inexplicável de que tudo que escrevo num pedaço de papel ganha status de importante, e não me resta outra alternativa a não ser fazer.

Adoro minhas listinhas de tarefas: trabalhos a entregar, burocracias para resolver, contas a pagar, planos, metas, sonhos, pesadelos para me livrar. Estão lá a coluna de toda quinta, um lembrete de que tenho que renovar a carteira de motorista –ainda que eu tenha vendido meu carro e não tenha intenção de comprar outro–, prestações de contas de viagens, o depósito que preciso fazer para o pedreiro, a fisioterapia que tenho que encarar.

Só sossego quando vou riscando cada item da lista à medida que encho outras páginas com novas obrigações e velhos compromissos, coisas que têm a capacidade de ressurgir na minha listinha de coisas a fazer.

Voltando à agenda, afinal esse texto é sobre um ano que está a caminho do final e outro que já começa a dar as caras ali na esquina da vida, pelo menos para muitos gringos. De cara, achei que estava com defeito de fábrica. Ou que alguém teria passado ali, arrancado algumas páginas e se livrado de alguns meses. Ela começava em julho de 2015.

Onde foram parar janeiro, fevereiro, março abril e os outros? Cadê os feriados? Era como se tivessem sido apagados e o ano só começasse agora. Mas já fizemos tanta coisa. Eu fiz. Você não fez?

Passei a virada de amarelo na esperança de um reforço no caixa, fugi do carnaval, plantei uma árvore, perdi três quilos, fui a Vegas, voltei da Suíça, a árvore morreu, comecei a escrever um livro, resolvi reformar a casa, achei dois quilos, passei um mês no Canadá, desisti do livro, comecei outro, quis matar o pedreiro, mas achei melhor só trocar por outro. E nada de fazer fisioterapia.

Pensando bem, já fiz tanta coisa que o ano poderia estar no fim e ter uns dias para desacelerar, colocar o nariz fora d'água, ganhar fôlego, antes de continuar nadando mesmo quando a correnteza não ajuda.

É esquisito pensar que pra muita gente o ano começa para valer agora. Mas esquisito mesmo é a gente condicionar a nossa vida, nossas resoluções a uma determinada época do ano. Já empurrei dias e semanas, esperando que o calendário virasse para começar algo importante. Como se fizesse alguma diferença parar de comer Doritos, decidir estudar, mudar de emprego, terminar um relacionamento no dia 24 de agosto ou dois de janeiro.

Comprei a agenda. Resolvi planejar a vida como se meu Réveillon particular acontecesse agora e eu tivesse um ano inteiro pela frente. Mesmo que eu não tenha, mesmo que faltem apenas alguns meses para o ano de fato acabar. Melhor chegar em dezembro com a sensação de que falta pouco ou mesmo muito, do que com a frustração de perceber que não fiz nada. Não quero deixar para 2016 o que posso começar agora. Sei que é só uma agenda de papel, mas se ela me ajudar a ter mais compromisso comigo e menos com o calendário tá valendo. Fisioterapia, aí vou eu.


Endereço da página: