Folha de S. Paulo


Festa de despedida para Blatter

Um evento para celebrar o afastamento de Joseph Blatter da presidência da Fifa havia sido marcado pelo Facebook para o dia 1º de dezembro, em frente à sede da entidade, em Zurique. Soube sem querer porque estou na Suíça e o assunto foi pauta de alguns jornais europeus durante a semana.

Mais de 20 mil pessoas estavam confirmadas no evento chamado "Leaving Party for Sepp Blatter", organizado pelo holandês Rodney Bouwhuizen. "Temos esperado por esse momento há anos! Todos estão convidados a dar um cartão vermelho a esse homem", escreveu.

A Fifa disse que não se pronunciaria, mas a polícia suíça, por meio de seu porta-voz, declarou que está ciente da manifestação e tentaria contatar os organizadores. "Muitas vezes, as pessoas não têm ideia do que podem causar com um evento desse, então ele pode nem acontecer."

Antes mesmo de a polícia fazer qualquer movimento, Bouwhuizen cancelou o convite pelas redes sociais por ter ouvido "rumores negativos" sobre a receptividade das autoridades em relação à manifestação.

Pode parecer curioso que a iniciativa de comemorar a saída de Blatter com um evento em Zurique tenha partido de um torcedor holandês, mas a verdade é que os holandeses têm uma relação de amor com o futebol muito mais profunda do que os suíços, pelo que pude constatar nos últimos dias.

Conversei com gente comum para saber o que pensam sobre o maior escândalo no futebol mundial, que envolve justamente a entidade que deveria zelar para que as regras dentro e fora do campo fossem respeitadas.

Em geral, as pessoas parecem não estar nem aí e não ficaram nada surpresas com as prisões e com tudo que foi revelado até agora. "Os negócios do futebol funcionam assim desde sempre. O objetivo maior de Blatter era disseminar e popularizar o futebol nos países sem tradição no esporte", disse o empresário Peter Niederberger.

Maurus Infanger, 20, diz que os jovens suíços abominam tudo o que a Fifa representa, mas que as mudanças necessárias devem demorar a acontecer porque os mais velhos aceitam que as coisas sejam feitas da forma que foram reveladas.

"Nem acredito que Blatter se beneficiava do dinheiro da corrupção, mas certamente sabia o que acontecia nos bastidores e fechava os olhos para toda a sujeira para atingir seus objetivos de transformar a Fifa numa potência", completou Peter Niederberger.

Ouvi também que futebol não é uma grande paixão para os suíços. Eles acham ótimo se conseguem se classificar para a Copa. Ficam felizes se ganham de seleções com tradição. "Temos nossos times locais preferidos, mas não morreríamos por eles, diferente do que acontece no Brasil. Futebol não muda nada em nossa vida."

Não muda mesmo porque a vida é mais do que boa, independe de placebos como o amor ao futebol para que a dor das mazelas diárias seja amortecida. O país tem o 13º melhor índice de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo, a terceira mais alta expectativa de vida, apenas 1% da população acima dos 15 anos é analfabeta.

Dá uma raivinha recalcada de terceiro-mundista. Tudo funciona, tudo é limpo, seguro e as paisagens são deslumbrantes. Assim, quem se importa com o que acontece no futebol? Parece que nós e os holandeses.


Endereço da página: