Folha de S. Paulo


Natal sem mimimi

Detesto dezembro, detesto Natal, tudo fica cheio, o trânsito insuportável, acaba a cerveja no supermercado, todo mundo resolve fazer em um mês o que poderia ter feito em um ano, tenho que aguentar aquela colega biscate, o meu chefe songo-mongo, trocar sorrisos forçados, desejar Feliz Natal. Tem caixinha pra tudo: pro frentista, pro lixeiro, pra manicure, pro flanelinha. Já sei que vou comer peru três dias seguidos. Meus Deus, quem inventou frutas cristalizadas? As frutas estavam lá, quem foi mexer com elas? Não sei o que é pior, maionese com maçã ou arroz com passas. Quando vão acabar as fotos dos amigos-secretos? E das famílias felizes? Só eu tô cheia deste "foi um grande ano" do Facebook? E esse especial do Rei, que coisa cafona? Passei o dia na cozinha, gastei um dinheirão, tudo pra ganhar uma "lembrancinha" de presente. Que saco.

Talvez não haja mês no ano em que as pessoas reclamem mais do que dezembro. Estou na contramão e sei que não sou a única. Gosto dessa época do ano por si só. Adoro ver as ruas mais cheias, as pessoas mais apressadas, ter compromissos comigo e com os outros todos os dias. Tenho prazer em decorar a casa, comprar presentes para a família toda e para os amigos mais chegados. Me divirto horrores nos amigos-secretos, na chopada de Natal, na confraternização com o pessoal do colégio. Troco mensagens com amigos e conhecidos queridos desejando de verdade que todos tenham um Feliz Natal, independentemente do que o Natal represente para cada um.

Talvez seja otimismo demais, mas não compartilho desse mau humor, dessa birra que fica tão transparente nas redes sociais. É uma época tão festiva que eu me recuso a olhar apenas o lado ruim. Tem o lado ruim. Temos que lidar com a saudade de quem não está perto ou nem está mais entre nós, precisamos exercitar a cara-de-pau em nossas relações profissionais, e nossa paciência com parentes com quem nem temos tanta afinidade. Faz parte.

Quando somos crianças e adolescentes não tem jeito, ficamos reféns da programação de nossos pais, mas nem assim acho que seja um sacrifício tão grande. Nessa época, tudo o que importa são os presentes, ninguém está envenenado pelo drama que é tentar ser legal quando não queremos ser. Eu adorava abrir os presentes, comer e ir dormir, sem me esforçar pra ser simpática com ninguém.

Mas a gente cresce.

Já fugi da confraternização da empresa. Preferi não estar lá a ter que trocar beijinho e desejar felicidade a pessoas que eu adoraria mandar pra casa do chapéu. A gente perde de estar com os que gostamos, mas me senti aliviada por não desejar boas festas a um chefe que conta histórias bonitas de espírito de Natal nas redes sociais, mas trai a esposa. Não tenho mais idade nem estômago para isso.

Tirando essa parte chata, todo o resto vale a correria e o ritual. A árvore decorada, a mesa bonita, a roupa nova, as frutas secas, o peru, o pavê, ou seja lá o que for. Quanta gente não tem nada disso?

Para mim, nem de longe a felicidade das pessoas nas redes sociais parece não ser genuína. Eu acredito nos sorrisos, no abraços, nas taças brindando, no carinho que transcende uma fotografia. Todo mundo tem algo para celebrar. Ninguém é só feliz nas redes sociais, tampouco é infeliz o tempo todo em suas vidas offline. É o que sempre digo, a vida nos devolve o que a gente dá a ela. Então, é zero mimimi no Natal, para não ter mimimi de volta em minha vida.

Feliz Natal! Vou ali tomar um Sonrisal, repeti três vezes a maionese com maçã. Detesto, mas estava uma delícia.


Endereço da página: